O verbo atual de Carolina Maria de Jesus

Primeira escritora negra do Brasil ganha mostra na Capital

Por: Estadão Conteúdo  -  18/10/21  -  07:12
 Com Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, em março de 1961: obra reconhecida; A escritora assina Quarto de Despejo: sucesso imediato e curiosidade
Com Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, em março de 1961: obra reconhecida; A escritora assina Quarto de Despejo: sucesso imediato e curiosidade   Foto: Reprodução

A exposição Carolina Maria de Jesus: Um Brasil para os Brasileiros, em cartaz no Instituto Moreira Salles da Avenida Paulista até o dia 30 de janeiro de 2022, é algo incomum sobre uma escritora cuja obra cada dia mais se consolida no imaginário literário nacional – apesar da curiosa característica de essa obra, na maior parte, ainda ser desconhecida.


Não obstante o sucesso estrondoso de Carolina nos anos 1960, agora renovado, o que a exposição faz é construir sobre essa obra um olhar contemporâneo ao redor das ausências que ainda cercam a história de Carolina. A mostra tem entrada gratuita com agendamento prévio pelo site do IMS.


Para um dos curadores da exposição, Hélio Menezes, a mostra não olha para Carolina com um olhar fetichista, especialmente em relação aos manuscritos e itens de sua trajetória – que são de fundamental importância –, mas que não dão conta da diversidade e da magnitude de Carolina justamente pelo conteúdo plural de sua produção e do seu impacto na cultura popular brasileira.


O processo de pesquisa para a mostra começou com o contato com as cerca de 6 mil páginas escritas por Carolina, hoje armazenadas no acervo de Sacramento, Minas Gerais, sua cidade natal.


Logo no início, Menezes e a cocuradora Raquel Barreto se viram diante de um impasse: fazer uma exposição sobre o livro Quarto de Despejo – que em 2020, para quando a exposição era prevista antes da pandemia, completou 60 anos de publicação – ou sobre a autora do livro, que publicou outros volumes em vida, outros póstumos, e que tem cerca de 80% de sua produção ainda inédita.


No primeiro caso, as pessoas esperariam uma exposição sobre os “manuscritos, por uma estética de favela e pobreza”, explica Hélio. O segundo caso, porém, enriqueceria a mostra abrindo campos para pesquisas ulteriores a partir de uma visão mais complexa e mais plural sobre as visões da artista.


“Ficou claro que seria importante entendê-la não apenas como escritora, mas também como multiartista, sendo ela cantora, compositora, dramaturga, tendo incursionado em produções têxteis, ter realizado apresentações performáticas, sobretudo em espaços circenses em que ela se apresentava em trajes elaborados por ela mesma”, diz o curador. “Nos vimos diante de uma figura muito mais complexa do que uma autora de um best-seller superimportante”.


Inteligência excepcional

As obras então começam a dialogar com questões que Carolina levantava desde a primeira metade do século, mas que encontram ecos contemporâneos, como direito à cidade, à educação, relações paritárias e mais complexas de gênero.


“Há uma inteligência excepcional, mas também me parece que isso é fruto de uma mulher com experiência de vida tamanha de quem viu a estrutura social do seu lugar mais baixo, ou seja, ela conseguia ver toda a estrutura”, reflete o curador.


Quem foi

Nascida em Sacramento, Minas Gerais, em 1914, Carolina Maria de Jesus foi uma das primeiras escritoras negras do Brasil. Ela viveu boa parte de sua vida na favela do Canindé, em São Paulo, sustentando os três filhos como catadora de papéis. Alguns dos papéis que coletava, em vez de encaminhar para a venda, guardava-os para escrever as descrições do cotidiano da comunidade onde morava. Em 1960, por influência do jornalista Audálio Dantas, esse apanhado, Quarto de Despejo, publicado. A obra alcançou enorme sucesso, tendo sido traduzida para14 línguas – desde a publicação,já foram vendidos mais de 1 milhão de exemplares, mundo afora. Carolina também era compositora e poetisa.


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