Novo patrimônio cultural, o forró é muito mais do que um ritmo

O forró é uma expressão cultura tipicamente nordestina

Por: Ronaldo Abreu Vaio  -  19/12/21  -  11:00
O forró é o novo Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil
O forró é o novo Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil   Foto: Pixabay

Baião, xote, xaxado, arrasta-pé, maracatu – e muito mais. Novo Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, o forró vai além de um, dois ou três ritmos: é uma expressão cultural ampla, tipicamente nordestina, que todo mundo reconhece, mas ninguém sabe ao certo como e onde surgiu.


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“Na minha cabeça, o forró já era um patrimônio. Depois fui entender a importância do registro: porque as coisas vão se perdendo quando não são registradas”, resume Guegué Medeiros, ritmista que tem entre suas especialidades a zabumba – um dos pilares do forró; os outros dois são o acordeon e o triângulo.


Uma dessas perdas já vem da origem. Uma cortina de fumaça dá conta que a palavra forró viria do inglês, for all (para todos). A história é curiosa: segundo essa versão, engenheiros ingleses instalados em Pernambuco, no início do século 20, trabalhando na construção da ferrovia Great Western, promoviam bailes abertos à comunidade, ou seja, ‘para todos’.


Essa história tem uma variação: saem os ingleses, entram os americanos, na Segunda Guerra, em Paramirim, no Rio Grande do Norte, onde havia uma base americana. A festa for all seria a mesma.


Contudo, a versão aceita é a do filólogo pernambucano Evanildo Bechara, a quem forró é uma redução forrobodó, que por sua vez vem do galego, forbodó, no dialeto do norte de Portugal e Espanha. E aqui começa o forrobodó de verdade.


Sim, era festa
Forrobodó, no Nordeste, era uma festa que reunia músicas, roupas e comidas típicas. A essência do que viria a ser o forró é mais ampla. “Era uma festa do povo da periferia, do início do século, um tipo de baile. Não necessariamente um ritmo específico”, explica Guegué.


Mas foi pelos ritmos que o forró expandiu-se para além das fronteiras do Nordeste. Especialmente por um, o baião, que tinha nome e sobrenome: Luiz Gonzaga. A partir do final dos anos 40, com as canções Asa Branca, Juazeiro e Baião de Dois, Gonzaga definiu para o País a forma de tocar e cantar os ritmos nordestinos. “Ele saiu com uma sanfona e levou para o Brasil. Está no patamar de Elvis Presley, Tom Jobim, João Gilberto”.


Patrimônio


O reconhecimento como patrimônio cultural brasileiro ao forró tem uma importância que vai além da preservação da memória dos ritmos, mas cria um ponto de apoio à difusão da cultura brasileira. Guegué conta uma história que ele presenciou na Alemanha, em um festival com, entre outros, Oswaldinho do Acordeon.


“Estava tocando, uma hora uma professora me chamou pra dançar e comentou que, por causa do forró, havia alemães no festival interessados em aprender português”.


Uma esperança é que o reconhecimento gere valorização do músico. Segundo Guegué, a discrepância é grande no gênero. “Tem músico que trabalha como pedreiro, na roça, porque precisa sobreviver, é chamado para fazer uma festa junina ganhando muito pouco”.


Guegué é paraibano de João Pessoa, chegou em São Paulo em meados dos anos 2000, pelas mãos da música. Já tocou e gravou, entre outros, com Chico César.


Grandes nomes, patrimônios naturais


O compositor, arranjador e multiinstrumentista Zezinho Pitoco – ele toca saxofone, clarineta bateria, surdo e zabumba, entre outros –, cujo trabalho aproxima os ritmos nordestinos dos salões de orquestra, também vê como natural o forró ser integrado ao panteão cultural brasileiro. “Dominguinhos, Luiz (Gonzaga) já são patrimônios naturalmente”.


Ele que percorreu um longo caminho desde a cidade de Cupinha, no agreste pernambucano, que subiu aos palcos com Luiz Gonzaga, depois de estrear na banda de baile de Caruaru, aos 17 anos, chegou em 1966 a São Paulo, para tocar em uma casa de samba, em Moema. Nessa época, morava na garagem de uma pensão e arrumou trabalho como metalúrgico.


Nada muito diferente das muitas histórias de migração, do Nordeste para São Paulo. Mas Zé Pitoco já tinha o saxofone. Em uma partida de futebol de trabalhadores, em São Bernardo, foi reconhecido na arquibancada como “o cara que toca sax”.


Mudança
Daí, à banda de Banda Sinfônica de Diadema foi um pulo. E, aos poucos, a vida desabrochou para a música. Hoje, tem parceria robusta com Antônio Nóbrega, tendo feito os arranjos de vários álbuns do cantor e compositor.


De sua lavra, lançou este ano, nas plataformas e também em CD, O Forró do Zé Pitoco. “Hermeto Paschoal disse certa vez: ‘A música do mundo é o forró. Quando o show tá meio morno, eu solto um e o todo mundo começa a dançar”.


Legado de família
A cantora Liv Moraes carrega no sangue o forró: filha de Dominguinhos, aos 40 anos tem uma carreira sólida, também reverenciado o legado do pai. Por isso, celebrou a inclusão do forró como Patrimônio Cultural. “Fiquei emocionada, porque faz anos que queremos que aconteça. Espero que tenha o efeito das pessoas conhecerem cada vez mais. Tem gente que não tem acesso a essa cultura. Que o forró seja incluído em tudo, faz parte da MPB, não só no São João”, avalia. “Se meu pai estivesse aqui, estaria tocando sanfona”, sorri. Aliás, a voz de Liv ao telefone se transforma ao recordar o pai, que compunha na sanfona. “Ele começava do nada a tocar forró e você via surgir algumas melodias que a gente não sabia o que viria depois. Colocava uma fita K-7 e gravava”. Liv tem dois projetos em andamento, um novo álbum próprio e um songbook dedicado às músicas do pai.


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