Jorge Amado tem vida pessoal contada por meio de livro de memórias escrito por sobrinho

Roberto Amado lança 'Jorge Amado, meu tio' a partir de convivência de mais de 40 anos com o escritor baiano e pesquisas

Por: Beatriz Araujo  -  26/12/21  -  12:32
Rico em imagens de família, Jorge Amado, Meu Tio revela intimidades de um dos maiores escritores do País; na foto, com a companheira de vida, Zélia Gattai
Rico em imagens de família, Jorge Amado, Meu Tio revela intimidades de um dos maiores escritores do País; na foto, com a companheira de vida, Zélia Gattai   Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal

Foi ao ler Capitães de Areia, com 10 anos de idade, que o então jornalista e autor Roberto Amado entendeu quem era, para o mundo, Jorge Amado – seu tio. Já para si e sua vida, sempre foi claro: “ele era o melhor tio do mundo”. As memórias sobre os 40 anos que conviveram estão compartilhadas no livro Jorge Amado, Meu Tio, que revela intimidades de um dos maiores escritores do País.


Com mais de 300 páginas e quase 90 fotografias inéditas – recolhidas de álbuns e caixas de familiares –, Roberto expõe a generosidade, diversão e genialidade de seu tio. As palavras são carinhosas e por hora críticas, descrevendo um perfil sincero com nuances que vão além do que uma biografia poderia revelar.


Roberto Amado é filho de Joelson, irmão de Jorge, e desde pequeno mora em São Paulo com a família. Sempre que o tio Jorge ia visitá-los era um “rebuliço”. Jorge tinha medo de avião, então fazia uma longa viagem de carro com o porta-malas abarrotado de presentes. Quando saíam para comer, o jantar em família se transformava em um evento.


“Vinha o dono do restaurante falar conosco e a banda do lugar tocava a música de Gabriela. As pessoas faziam fila e desistiam de comer para pegar um autógrafo dele”. Mesmo sendo “irritantemente famoso”, seu tio nunca negou dar atenção a alguém. “Sempre foi extremamente gentil com todo mundo”.


A forma com que Jorge tratava as crianças também era especial. Jorge ouvia as crianças e deixava que elas escolhessem os presentes que quisessem – os mais caros e legais, pontua Roberto.


Na juventude, Jorge Amado ainda era o melhor tio, em meio à forte conexão entre as famílias Amado e Ramos. Isso porque James, um dos irmãos de Jorge Amado, casou-se com Luiza Ramos, filha do renomado autor Graciliano Ramos. “Vivemos uma adolescência intensa com o tio Jorge, no meio da farra”.


Vida adulta

Dentre tantas histórias e lembranças, as mais especiais foram na vida adulta de Roberto. Foi uma situação que se prolongou até o fim da vida: ele ser tratado, pelo tio, como autor e confrade – palavra que os Amados costumavam usar.


Roberto começou a escrever cedo, aos 18 anos, e buscava ter autonomia literária. “Era importante pra mim me revelar sem estar vinculado ao meu tio”.


Além disso, tinha medo de que as coisas ficassem estranhas entre eles, por reconhecer ser uma pessoa crítica na época. “Fiquei um escritor chato. Lia muito e, jovem, era um pouco metido porque comecei a publicar muito cedo”.


Mas a situação foi outra. “Passamos a ter conversas que me fizeram, realmente, entender a dimensão dele”. Sem alarde, seguiram sendo parceiros ao longo dos anos – nunca deixando de responder uma carta ou telefonema do outro.


Perda gradativa da visão afetou o escritor

Jorge Amado morreu há 20 anos. Roberto explica que foi um processo lento, que ele e sua família acompanharam de perto. Próximo aos 80 anos, ‘tio Jorge’ passou a ter um problema de degeneração na retina – o mesmo problema visual que seu irmão, pai de Roberto, desenvolveu antes dos 40 anos, até ter que largar a Medicina aos 50, por não conseguir enxergar bem.


“O tio Jorge, felizmente, teve isso com mais de 80 anos, porque esse problema o impedia de ler e escrever, que era o que ele mais amava fazer”.


Jorge Amado já tinha mais de 60 anos de profissão e, como Roberto explica, acredita-se que ele entrou em uma espécie de depressão. “Temos muitos médicos na família, mas foi algo mal diagnosticado”. A situação se estendeu por uns cinco anos.


“Ele seguia ‘ordens’, como sentar à mesa quando era chamado. Mas ele não tinha mais aquela... sabe, ele sempre foi um cara brilhante, eufórico, que modificava o ambiente em que estava. E passou a ser ausente”, conta Roberto, com certa saudade na voz.


A última conversa de Roberto com seu tio foi sobre Literatura. Roberto estava animado com a descoberta de um escritor israelense e estava com viagem marcada para Israel. “Perguntei ‘você o conhece? Não quer me dar o endereço?’, mesmo sabendo que nunca iria visitá-lo, porque não sou de tietar”. Jorge Amado, então, confirmou que eles eram amigos e disse ao sobrinho que fosse visitá-lo. Essa foi a última frase que ouviu do tio.


Jorge Amado, Meu Tio, escrito por Roberto Amado (foto à esquerda), é uma obra lançada pela Editora Ibrasa e conta com 320 páginas. Está à venda nas principais livrarias físicas e virtuais do Brasil
Jorge Amado, Meu Tio, escrito por Roberto Amado (foto à esquerda), é uma obra lançada pela Editora Ibrasa e conta com 320 páginas. Está à venda nas principais livrarias físicas e virtuais do Brasil   Foto: Divulgação

Mais declarações de Roberto Amado

“Ao longo do livro, às vezes eu douumas derrapadas emocionais. Fico falando ‘o melhor tio do mundo’. Mas, provavelmente, ele é mesmo...”

“Embora ele seja uma figura extremamente polêmica, fuzilada dos dois lados, sempre soube administrar muito bem a fama”

“Ele e meu pai têm a característica de não saber fazer nada. Não sabem cozinhar, dirigir, nadar, dançar.... e são gênios”

“A família Amado é muito caracterizada por ser engajada socialmente. Sempre fomos de esquerda e sempre fomos todos socialistas. Meu pai, mãe e o tio Jorge eram do Partido Comunista. Não sei de onde isso veio, mas somos, e até hoje somos, oposição. É algo quase que inato. Hoje, me sinto razoavelmente seguro, mas passei20 anos sem poder falar isso por conta da ditadura”


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