Foi circulando de carro pelas ruas da pequena Ávila, ao norte de Madri, que Guilherme Arantes, ao sintonizar a Rádio e Televisão Espanhola, ouviu a programação que tocava músicas barrocas e renascentistas.
No fim de 2019, Guilherme partiu para esse município espanhol cercado de muralhas para estudar justamente os compositores de sonatas e tocatas. Aproveitou para fazer um giro pelo país. Foi a lugares como Pontevedra, na Galícia, terra dos antepassados de sua mulher, a baiana Márcia Gonzalez, e ficou encantado, segundo ele, pela riqueza espiritual e histórica da região.
Passou pela Andaluzia para visitar Algeciras, terra do guitarrista de flamenco Paco de Lucía (1947-2014), antigo companheiro de camarim em noites de sessão dupla na casa de espetáculos Canecão, no Rio.
“Pirei com a Espanha, com sua coisa sanguínea e as histórias que envolvem a fé cristã, o judaísmo e o islamismo. Aqui em Ávila as cruzadas passaram. Há a história de que Santiago de Compostela esteve por aqui. Eu fui me envolvendo com um sentimento. Não é apenas saber, fazer turismo ou ter fé. Não é nada ligado à Igreja. É uma forte conexão que se deu com esse lugar”, diz.
Esses temas estão no álbum de inéditas que Guilherme acabou de lançar – no dia em que completou 68 anos, 28 de julho –, batizado de A Desordem dos Templários. O álbum foi gravado por ele em um pequeno estúdio que montou em sua residência espanhola.
A temporada no país – que era para ser de apenas quatro meses, mas já dura mais de um ano – também está ligada a um sentimento que Guilherme descreve como “desilusão da alma”. Uma espécie de estopim foi a canção Nossa Imensidão a Dois, que está no álbum. Feita sob encomenda para a cantora Wanderléa, que não a gravou, foi lançada em uma versão de voz e piano pelo próprio Guilherme, em 2018.
“Era para ser um hit. Tinha uma estrutura para tocar no rádio. Uma introdução de 15 segundos, a primeira parte de 1 minuto e entrava em um refrão de amor matador. Nada aconteceu”, conta. “Caí na real que a nossa geração não apita mais. Nossa referência de beleza musical não vale mais nada. O mundo virou um grande megafone, cheio de lugar de fala. Bob Dylan lança disco, ganha prêmio, mas não tem aquela força igual a Hurricane (canção de 1975) tocando no rádio direto. Pensei: ‘será que alguém se interessa por um cantor e seu piano com canções angustiadas?’. Foi uma depressão de carreira”.
Guilherme diz que A Desordem dos Templários é um disco de afetos e o coloca em algo que diz perseguir ser: compositores como Francis Hime e Taiguara.
“Sucesso é para quem quer mais dinheiro e notoriedade. Eu já tive isso. O mundo foi generoso comigo. Aproveitei minha mocidade, minha aparência física para ser paixão das meninas pobres do Brasil (Guilherme se emociona). É fácil enganar as elaborações intelectuais, mas o povo você não engana”.