Escritora paulista superou o crack, abusos e infância difícil através da arte e literatura

Esmeralda Ortiz viveu muitos anos na antiga Febem, onde escrevia escondida em papéis de pão; hoje tem 3 livros lançados

Por: Beatriz Araujo  -  21/12/21  -  06:59
Atualizado em 21/12/21 - 13:29
Esmeralda está sóbria há 24 anos, formada em Jornalismo, e com três livros lançados e um CD
Esmeralda está sóbria há 24 anos, formada em Jornalismo, e com três livros lançados e um CD   Foto: Reprodução/Instagram

Como uma pedra preciosa, hoje, a escritora, compositora, cantora e jornalista Esmeralda Ortiz, de 42 anos, resplandece seu brilho pelas palavras. Um reluzir ofuscado por muito tempo. Esmeralda foi criada nas ruas, sobreviveu ao vício do crack e escrevia suas emoções em sacos de pães, nas noites dos anos que passou na antiga Febem (atual Fundação Casa). Esse passado se transformou em livros e palestras, em que divide as suas e muitas outras vivências.


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O lapidar começou aos 9 anos, quando compôs o primeiro samba. Nessa época, já estava há um ano na Febem. “Escolhi sobreviver da minha maneira para fugir dos abusos do meu pai, do meu padrasto e do alcoolismo da minha mãe”. A família morava em uma comunidade na Zona Norte de São Paulo e sobrevivia na rua.


Na Febem, só se ouvia música evangélica. Mas, escondida, conseguia ouvir samba. Sobre livros, mesmo ela não sabendo ler direito, a única opção era a Bíblia. Então, quando as luzes se apagavam, mesmo no escuro, ela escrevia escondido. “A escrita me libertava e eu transformava aquilo em música para ficar na minha cabeça e eu não esquecer”.


Após várias fugas e do uso de drogas nas ruas, aos 18 anos, ela conheceu o jornalista Gilberto Dimenstein, morto em maio de 2020. “Vi que ele era escritor e chamei ele. ‘Oh, vem cá. Quero escrever um livro sobre a minha vida. Mas eu sou meio preguiçosa e é muita coisa. Você poderia me ajudar?’”.


Naquela hora, sentiu que ele olhou em seus olhos e percebeu o tamanho dos seus sonhos. No dia seguinte ele a reencontrou com um diretor do Senac e editores e apresentou: “Essa daqui é a nova escritora”.


Assim surgiu o livro Esmeralda - Por que não Dancei. O livro nasceu com a ajuda de professores – foi quando aprendeu mais sobre a Lingua Portuguesa: antes, não ia às aulas por conta de bullying e racismo.


Ao descobrir que pessoas que conviviam com ela na rua estavam presas, doentes ou mortas, chegou à pergunta que dá nome ao título: “Por que não dancei? Por que eu não morri?”.


Hoje, para ela, a resposta é clara: seu amor à vida, pela arte, a manteve viva. “A arte é a única coisa louca que faz a gente superar nossas próprias loucuras. Foi assim que me ressignifiquei”.


Novo Recomeço

Nessa época, Esmeralda tinha 21 anos. Está sóbria há 24 anos, formada em Jornalismo, com três livros lançados e um CD. “Consegui superar e me formar. Mas a dificuldade da vida bate na porta todo dia. É sempre uma nova luta, um novo recomeço”.


Sem príncipe

“Eu não sabia ler nem escrever. O pouco das histórias que conhecia eram de princesas – e nenhuma delas era preta. Nenhuma preta na história era feliz para sempre. Eu não me enxergava nessas histórias. Minha casa não era um castelo, era um barraco. Eu não tinha príncipe para me salvar, tinha pessoas que falavam que eu ia para o inferno e colocavam a polícia para me prender” -Esmeralda Ortiz, escritora


Na pandemia da covid, a dificuldade

Em meio a shows e contratos para novas produções, veio a pandemia e tudo mudou. “Foi um soco no estômago. Fiquei vivendo de auxílio e da ajuda de amigos”. Ela teve que fazer máscaras para sobreviver, mesmo sendo graduada.


“Eu sou reconhecida como escritora, mas não sou financeiramente valorizada”. Mesmo com uma obra estabelecida, era chamada na televisão para falar “como é morar na rua, usar droga, ser estuprada”.


Contudo, ao pedir oportunidades, nunca foi contratada. “As portas não se abriram para empregos. Para pretos, as oportunidades são diferentes”.


Esmeralda se reconhece como uma mulher negra da periferia, “que veio com currículo de rua”. Ela diz que foi educada para odiar sua cor de pele e se odiar desde que foi abusada e rejeitada. “Como se ressignifica algo que foi cravado na minha alma?”.


Foi por meio da terapia, que já faz há 25 anos, que a reconstrução começou. “Ensino meu filho a se amar como negro. Falo sobre esse autoconhecimento em palestras. Busco perdoar o que fizeram comigo para viver em paz”.


Patrocínio

Esmeralda corre atrás de patrocínio para o novo livro que está terminando de escrever, com tema surpresa. Além disso, ela está relançando Por que não dancei de forma atualizada, 20 anos depois e compondo novas músicas. Seu trabalho pode ser acompanhado pelo Instagram @esmeralda.ortiz.escritora.



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