Duna, adaptação da literatura de Frank Herbert, tem segunda versão lançada

Saga tem muitos elementos que o público interessado em grandes narrativas espaciais vai identificar com facilidade

Por: Eduardo Cavalcanti  -  31/10/21  -  08:34
Atualizado em 31/10/21 - 15:00
 A nova versão da saga espacial tem visual impecável e pouca ousadia
A nova versão da saga espacial tem visual impecável e pouca ousadia   Foto: Divulgação

O cinema e a ficção científica sempre andaram (ou voaram) juntos. Uma mídia feita para criar ilusões é sob medida para produzir imagens de mundos e seres que não existem. Nenhum outro gênero, por sua vez, se presta melhor às trucagens e efeitos especiais desenvolvidos especificamente para a tela grande do que o ‘sci-fi’.


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A imagem que se tornou o símbolo dos primeiros anos do que viria a ser considerada a sétima arte é a de um foguete em forma de bala de canhão, cravado no ‘olho’ da superfície lunar. A cena é a mais célebre de ‘Viagem à Lua’ (1902), do pioneiro Georges Méliès, que não por acaso se inspirou num livro de Júlio Verne.


A recém-lançada segunda versão para o cinema da saga espacial ‘Duna’ demonstra que esse mesmo princípio, do cinema funcionar como um espelho, mesmo que distorcido, da literatura de ficção científica, continua válido, mais de 100 anos depois. O cultuado épico do escritor norte-americano Frank Herbert pode ser bem mais profundo do que é mostrado pelo canadense Denis Villeneuve, mas em termos visuais, é mais um triunfo do diretor de ‘A Chegada’ (2016) e ‘Blade Runner 2049’ (2017).


Villeneuve é um dos cineastas atuais mais notáveis. Não chega a ser uma surpresa que ele tenha se imposto o desafio de transpor para as telas a história que Herbert desenvolveu em seis livros. O sucesso inicial de bilheteria da sua versão de ‘Duna’ já garantiu que haverá uma continuação - e seria estranho se fosse diferente, já que o filme se apresenta não como uma obra fechada, mas como um episódio a ser continuado.


Não deixa de ser, até certo ponto, surpreendente que um filme de ficção científica clássica tenha se tornado um ‘blockbuster’ deste período de retorno às salas de exibição. ‘Duna’ é acessível a quem nunca teve contato com a literatura de Frank Herbert, mas está longe de ter o mesmo apelo da trilogia do ‘Senhor dos Anéis’, em termos de personagens e iconografia.


O cinema de Denis Villeneuve é, por definição, mais reflexivo e menos interessado em grandes cenas de ação do que o de Peter Jackson, que também ousou adaptar um grande criador de mundos fantásticos – no caso, Tolkien. O que se vê nas duas horas e meia desta primeira parte é a construção de uma história que tende a ter muitos desdobramentos, mas que a princípio desenvolve um enredo relativamente simples.


Na verdade, ‘Duna’ tem muitos elementos que o público interessado em grandes narrativas espaciais vai reconhecer. Jovem herói que descobre possuir poderes extraordinários (uma ‘força’), e destinado a liderar a resistência contra um imperador opressor e seus exércitos brutais – soa familiar? Talvez até demais, mas a culpa não é de Frank Herbert, e sim da legião de autores influenciados por seus conceitos. George Lucas, obviamente, é um deles.


Se por um lado o cuidado de Villeneuve com a produção leva o filme a um patamar bastante elevado, como cinema, por outro, deixa o resultado final um tanto asséptico, algo que a comparação com a versão anterior, de David Lynch, só amplifica. O ‘Duna’ lançado em 1984 é imperfeito e frustrante em muitos sentidos, mas tinha um charme ‘low-fi’ que compensava em estilo o que deixava a desejar em vigor narrativo.


Lynch era ‘sujo’ e privilegiava o visual tecno-orgânico que o artista plástico surrealista H.R. Giger criou numa versão anterior, nunca realizada. Já Denis Villeneuve mantém, no visual limpo, um rigor conceitual impecável, mas sem o mesmo impacto visceral típico de qualquer filme de David Lynch, mesmo nos que ele não conseguiu imprimir a marca pessoal que desejaria.


‘Duna’ é um desafio, mesmo para grandes diretores como estes. Fazer com que ele seja algo mais que um bom épico ‘sci-fi’, e alcance a estatura de um ‘Solaris’ ou um ‘2001: Uma Odisseia no Espaço’ ainda é uma tarefa à espera de quem se atreva a ir além de uma fonte já devidamente grandiosa de inspiração.


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