Cerimônia do Oscar 2022 deve ficar lembrada por um tapa inesperado de Will Smith

O que sequestrou as atenções do evento foi a reação do ator à piada sobre sua mulher, feita por Chris Rock

Por: Ronaldo Abreu Vaio  -  29/03/22  -  07:42
A festa do glamour só não virou caso de polícia porque não houve queixa formal
A festa do glamour só não virou caso de polícia porque não houve queixa formal   Foto: Reprodução

A festa do glamour só não virou caso de polícia porque não houve queixa formal em algum distrito de Los Angeles. Mas o tapa do ator Will Smith no colega Chris Rock, durante a cerimônia do Oscar, ecoou mundo afora e abalou as estruturas de Hollywood, que parece não ter se recuperado plenamente do golpe.


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Um golpe, aliás, que começou na primeira palavra de uma piada que já dançava à beira do abismo do mau gosto, na primeira citação de Smith e sua mulher, a também atriz Jada Pinkett Smith. Caiu de vez no precipício ao brincar com a falta de cabelos de Jada, consequência da alopecia, uma doença autoimune.


A cena que se viu no Oscar e as questões que dela emergem são controversas. O jornalista e cineasta Eduardo Ricci considera dúbio o ocorrido. “Vi algumas vezes a cena, a impressão que eu tive é de que foi fake”, crê. “Com a vontade que ele deu, trocando as pernas, teria derrubado o Chris”. Mas pondera: “Depois, do jeito que ele (Will Smith) saiu falando pra não colocar o nome da esposa na boca, pareceu verdadeiro”.


Ricci avalia que a violência de Smith não se justifica, mas é contrário a que se retire a estatueta do ator (Smith venceu por King Richard: Criando Campeãs), como chegou a ser especulado – em nota, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood condenou a agressão e disse estudar punições a Smith.


“O Oscar tem uma grande importância no mundo do showbizz, mas também tem um histórico de violência, contra a mulher, o negro. Will Smith se excedeu, mas o Oscar, também como representante da indústria, se excede o tempo inteiro”.


Roteirizado
Embora considere estranha a situação, já que toda a cerimônia é roteirizada e as piadas são aprovadas antes pela Academia, o também jornalista e crítico de cinema André Azenha acredita que tanto Chris Rock quanto Will Smith passaram do ponto.


“Os dois erraram. A gente está num momento em que a sociedade entende que não se deve fazer piada de tom discriminatório, seja de etnia, classe social, ainda mais sobre a condição de saúde de alguém. Foi um exagero. Ao mesmo tempo, embora entenda a atitude do Will Smith em defender a esposa, foi um exagero ele ter ido lá e dado um tapa. Eles (o casal) poderiam ter se retirado da cerimônia em protesto”, analisa.


Apesar do frisson, Azenha crê que o Oscar não será abalado. “Vai ficar o debate por um tempo, vai virar meme, mas não deve mudar nada na cerimônia”.


André cita outros momentos delicados ao longo dos 94 anos de premiação. O primeiro deles foi em 1973, quando o ator Marlon Brando recusou a estatueta de melhor ator por O Poderoso Chefão, em protesto contra o tratamento da indústria cinematográfica aos índios norte-americanos. Em seu lugar, subiu ao palco Shasheen Littlefeather, indígena, vestida a caráter, que se recusou a receber o prêmio.


O outro foi em 2003, quando Roman Polanski, já envolvido em escândalos e acusações de estupro, recebeu a estatueta de Melhor Diretor: metade da plateia no Dolby Theater (onde tradicionalmente ocorre a cerimônia) vaiou a escolha.


Com e sem violência
A especialista em Direitos das Mulheres e mestranda em Políticas Sociais pela Unifesp, Thaís Perico, analisa a situação ocorrida no Oscar sob o prisma das questões de gênero e raça. “Se fosse em relação a um homem, seria que a piadinha teria essa força, essa toada? Tem a discriminação racial, de gênero e capacitismo”.


O deboche de uma pessoa que atravessa uma doença, por si só, já é extremamente condenável. Mas é acentuado, segundo Thaís, pelo alvo ser uma mulher e negra. “É como se ela devesse suportar mais uma zombaria do que uma mulher branca”.


Contudo, ela ressalta que a defesa da mulher, feita por Smith, foi equivocada. “O enfrentamento foi importante, mas deveria ter sido feito sem violência, repudiando a situação com a palavra. Quem deseja uma sociedade sem violência alguma, também não pode aprovar a reação (de Smith)”.


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