'Sei onde derrapei, onde acertei, mas não fico preso ao retrovisor', diz Alexandre Frota

Ator e deputado federal relembra o início da carreira, o sucesso, a fama e o abismo das drogas

Por: Ronaldo Abreu Vaio  -  19/02/22  -  18:38
Atualizado em 19/02/22 - 19:56
O ator Alexandre Frota, no dia em que concedeu entrevista exclusiva para A Tribuna
O ator Alexandre Frota, no dia em que concedeu entrevista exclusiva para A Tribuna   Foto: Alexsander Ferraz

É possível afirmar que o político Alexandre Frota só existe por causa do ator Alexandre Frota – ao menos da forma como o conhecemos. Sendo a arena política muitas vezes um palco, e talvez por ser ator de origem, interpreta apenas a si mesmo. “Sou muito aberto, autêntico, verdadeiro, e muitas vezes isso incomoda”. Esse personagem de si mesmo já lhe causou alguns dissabores – no palco, no plenário e na vida. Nesta entrevista, o político sai de cena e entrega o script ao ator e diretor (dirigiu a primeira edição da Casa dos Artistas, por exemplo). Frota relembra o início na Globo, o sucesso estrondoso e de como, nos anos 80, não havia estrutura para um jovem de vinte e poucos anos absorver esse sucesso sem solavancos. No seu caso, o ‘solavanco’ o levou ao abismo das drogas. Ao se reerguer, resolveu fazer algo de que gosta: sexo – e ganhando pra isso –, em filmes adultos que ele mesmo produziu e dirigiu. Confira a entrevista.


Como a tevê entrou na sua vida?

Meu pai foi produtor da Globo, cresci indo nos estúdios ver gravação de novela. E minha mãe era secretária da faculdade de teatro da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). Já tinha essa atmosfera em casa. Falei com minha mãe que eu queria fazer algumas aulas no Teatro Tablado, da Maria Clara Machado. Fui e caí numa turma que tinha Maurício Mattar, Bianca Byington, Malu Mader, Felipe Camargo, Marcelo Novaes. Em 1984, teve um teste pra novela Livre pra Voar, com Tony Ramos e Carla Camuratti. ‘Vou passar nesse teste’, pensei. O Maurício Mattar fez o teste comigo, nós dois passamos, mas ele foi reservado pra Roque Santeiro. Fiz essa novela e também fui pra Roque Santeiro. Dali, fiz oito novelas, minisséries... fiquei 10 anos contratado.


Depois da Globo você esteve em outras emissoras...

Sim. Ainda no Tablado, me interessei por iluminação, figurino, produção de arte... fui me formando produtor, passei a me produzir e aos espetáculos de teatro que eu fazia. Isso me deu uma experiência grande de vida. Passei pela Record e fiquei oito anos na área de criação do SBT.


Você citou Roque Santeiro, um sucesso estrondoso. Você imaginou que seria tudo aquilo? Quando se deu conta?

Foi surpresa até pra Globo. A novela deu 100 pontos de audiência, justamente no capítulo da morte do personagem do Maurício Mattar, João Ligeiro, irmão do Roque Santeiro. A gente tinha gravado a morte do personagem em um sítio na Barra da Tijuca. Eles deixaram pra gravar uns dois dias antes de ser exibida. Eu participei de outras gravações, esperei pra vir embora na Kombi. No dia da exibição, umas 20 horas, a gente tá chegando no Rio, e eu o Maurício, e aquilo estranhíssimo: não tinha ninguém na rua e todos os prédios acesos. Eu virei pro Maurício, ‘isso é o Jornal Nacional preparando pro capítulo do Roque Santeiro, tá todo mundo assistindo’. No dia seguinte, tava estampado em todos os jornais que deu 100 pontos de audiência. Houve outros momentos de grande audiência, o capítulo final, por exemplo, mas eu lembro disso porque vivi com o Maurício. Dali, a gente foi alçado ao protagonismo das novelas.


Deve ser uma experiência marcante prum jovem em começo de carreira...

Sim, entrar num estúdio e dar de cara com Lima Duarte, Regina Duarte... contracenei muito com Fábio Jr. que tava no auge, estourado. Meu personagem teve um romance com Yoná Magalhães! Pensava, ‘onde eu vim parar?’. Fui um dos primeiros personagens a ter a relação do garoto com a mulher mais velha.


Foi em Roque Santeiro que você e a Claudia Raia se conheceram?

Um pouco antes, no Roque já estava bem engrenado. Fui convidado por uma socialite da época, Carmita Medeiros, diretora da Interview, uma revista da alta sociedade no Rio de Janeiro para desfilar na Beija-Flor, como Adão. E ela tinha convidado a Claudia Raia pra ser a Eva. Quando eu vi aquela Eva... (risos). A gente se conheceu ali.


O casamento de vocês, na Igreja da Candelária, foi um acontecimento que parou o Rio de Janeiro. Como você se recorda desse dia?

Eu só queria casar... a Claudia é que quis casar daquela maneira. Ela gosta muito de de roupas, véus... e a coisa tomou uma proporção exagerada, com muitos padrinhos. Eu falei ‘pô, quero chamar o Chacrinha pra ser meu padrinho’, e ela ‘quero chamar o Silvio Santos. Quando a gente viu, tinha 60 padrinhos... estávamos estourados nas novelas, deu 3 mil pessoas do lado de fora da igreja.


Como você se sentiu com isso?

Aquilo foi a constatação do sucesso. Nem parei muito pra pensar... mas cria um desconforto... chegou um momento em que eu já não sabia se estava na novela ou na vida real. A minha geração não foi preparada pra fazer sucesso. Na geração dos anos 80, poucos passaram e tiveram equilíbrio. Hoje, você liga pro ator, fala com o assessor, com o manager, personal stylist, secretário, até chegar no cara, se chegar... a gente não tinha nada. Era você e você.


Você sente que essa fama estrondosa e falta de estrutura te prejudicaram?

Muito. Com tudo o que eu fiz, acabei saindo da Globo, joguei fora uma carreira por problemas com drogas, problemas com o sucesso.


Como foi a saída da Globo?

Ao contrário do que muita gente fala, não foi nem um pouco traumática. O meu contrato encerrou, a Globo me chamou e falou ‘vamos encerrar o contrato e trabalhar por obra certa’. Tanto é que, em 1999 e 2000, voltei pra fazer Malhação. Passei muitas coisas lá dentro. coisas engraçadas. Fui chamado pelo Roberto Talma pra fazer 4x4, novela das sete. quando estourou a Letícia Spiller como Babalu e o Marcelo Novaes. O papel era meu. O Talma me chamou e falou, ‘tu vai arrebentar, Frota’, e me apresentou a Letícia. Pensei, ‘caraca, vou casar de novo...’ (risos). Fui pra reunião, leitura de texto, recebi os 10 primeiros capítulos, pensei, ‘o País vai se apaixonar pelo casal’. Era a mesma pegada de Sassaricando, em que a Claudia fez a Tancinha e eu, Apolo. Me preparei pra novela, até que o Talma me chamou na sala e soltou: ‘tô indo pra Malhação, vai entrar o Ricardo Wadington na direção’. Eu não me dava bem com ele, pensei, ‘caí’. A primeira coisa que ele fez foi me chamar na sala: ‘só pra te falar que o papel do Raí eu tô indicando prum amigo seu, o Marcelo Novaes’. A novela foi um sucesso e o Marcelo acabou casando com a Letícia.


Voltando à questão das drogas: o que você viveu e como se reergueu?

Fui até o fundo do poço. Você perde tudo o que tem na vida, inclusive as referências emocionais. Usei tudo: cocaína, ecstasy, maconha... éÉ difícil falar da noite pro dia: ‘vou parar’. Mas há dias em que coisas vão acontecendo e você entende que são sinais.


Por exemplo?

O dia em que eu queimei uma Bíblia e ficava gritando pela casa que Deus não existia. Muitas vezes, passou pela minha cabeça que eu não queria que minha mãe fosse acordada com a notícia de que o filho tinha sido encontrado em um hotel de quinta categoria, morto ao lado da cama, por overdose. Procuro falar pras pessoas que eu sou a prova viva de que quando você quer, você consegue. Sou hoje um cara consciente, sei onde derrapei, onde acertei. mas não fico preso ao retrovisor: não dá tempo, a vida é curta, é preciso viver.


Você foi pra indústria de filmes pornô. Como foi essa guinada?

Foi uma opção minha. Gosto de sexo, pensei em ganhar dinheiro com isso. Procurei a melhor a produtora, juntei as minhas ideias, roteirizei, Realizei as próprias fantasias, os argumentos. Os filmes vêm com selo, lacre, é um produto a um consumidor específico é colocado goela abaixo de ninguém. O País é muito preconceituoso: entre quatro paredes as pessoas fazem loucuras, mas depois ficam ali fora apontando o dedo pra você porque fez isso ou aquilo.


Sente saudade da vida artística?

Só voltaria pra tevê pra dirigir. Trouxe A Fazenda pra cá, pra Record, O Sílvio Santos fala do retorno de A Casa dos Artistas. Dirigi a primeira, já mandei um recado pra ele: ‘ninguém pode dirigir A Casa dos Artistas melhor do que eu’. Agora, atuar, não tenho mais paciência.


Você assiste tevê? O que acha da tevê hoje?

Gosto de Jornalismo e documentários. Agora, não é mais a mesma tevê. Com o controle na mão, você não consegue parar em um programa só. E acho que há uma mesmice nos horários: de manhã, fofoca e cozinha; de tarde, cozinha e fofoca... chega o fim de semana, você não sabe se tá vendo a Eliana, o Faro, o Mion, o Portiolli... É tudo muito igual.


Com internet, streaming, como fica o futuro da tevê?

Tenta se reformular, mas é difícil. Vem importando os influencers das redes sociais, mas não tem dado certo: aquele cara com 30 milhões de seguidores não se reflete na telinha. E busca uma linguagem mais jovem, de internet.


E o Tadeu Schmidt no BBB?

Tá indo muito bem. Ninguém sabe, mas ele era o nosso nome na Record pra apresentar A Fazenda. A gente tentou tirar da Globo. O problema é que era a primeira edição, um projeto embrionário, a Record sem lastro... o cara pensou, ‘vou pra lá, depois não dá certo...’. E não rolou.


Você tem algum arrependimento? Faria algo diferente?

Não me arrependo de nada, tudo foi escolha minha. Penso que algumas poderia ter feito diferente. Talvez pensasse um pouco mais antes de tomar decisões ou falar. Mas isso talvez vá morrer comigo. Sou muito aberto, autêntico, verdadeiro. Muitas vezes isso incomoda.


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