Roberto Carlos e seu público renovam os votos de fidelidade

Fechados com o Rei, fãs conhecem roteiro de cor e o ídolo não decepciona em show na Capital

Por: Ronaldo Abreu Vaio  -  29/07/22  -  11:58
O Rei fez a alegria dos fãs durante o espetáculo na casa Vibra São Paulo
O Rei fez a alegria dos fãs durante o espetáculo na casa Vibra São Paulo   Foto: Ettore Chiereguini/AGIF/Estadão Conteúdo

Havia uma força estranha no ar da Vibra São Paulo, quarta-feira (27) à noite. À parte os gritos histéricos e as declarações de amor de fãs para ídolo, o que se viu quando Roberto Carlos pôs os pés no palco da casa de espetáculos paulistana foi a celebração de um pacto que dura seis décadas.


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“Vamos finalizar juntos esta canção”, ordenou ao público – ao seu público – durante Outra Vez, um dos pontos altos do show. Conhecendo o roteiro de cor, e acatando-o nos mínimos detalhes (nem tão pequenos assim...), fãs e ídolo se irmanam em paz. Em paz? Bom, nem sempre...


Aliás, após a introdução da banda RC9 e de cantar Emoções, que abriu o show, Roberto voltou a comentar o episódio em que mandou um “cala a boca, p...!” para um fã, em um show no Rio de Janeiro, no dia 13.


“Quero deixar claro: o que eu disse não foi pra plateia, foi pro cara que estava aqui, ó (e aponta a beira do palco) dizendo todo tempo que queria uma rosa”, justificou. “Eu disse, ‘cara, vou te dar a rosa’. Aí eu fiquei bravo e quando eu fico com raiva... nem a Juma segura!”, disse despertando risos e aplausos dos mais de 5 mil fãs na plateia.


Um desses fãs era Marluce Alves, de 62 anos, que aprovou a atitude intempestiva do Rei no Rio. “Em vista da situação, a resposta foi correta. O cara falou demais, faltou respeito”, avalia.


Como é grande o meu amor

Vestindo calça e camiseta brancas, com um blazer azul claro, Marluce era uma cópia feminina do Rei. Coincidência? “Não! Só vou aos shows de branco ou azul”, revelando mais um dos códigos do pacto. Aliás, Marluce já tem oito shows e três rosas no currículo, desde que, aos 14 anos, conheceu Roberto, pela música Quando, na casa de um primo no interior da Paraíba – sua terra natal.


Separada, com duas filhas, garante que a paixão por Roberto não foi o pivô do divórcio – “meu ex-marido também gosta”. E o que diria se tivesse a oportunidade de ficar frente a frente com o Rei? “Acho que não sairia nada...”


Banda afiada

Se de Marluce nada sairia, de volta ao palco do Vibra São Paulo, ainda durante Outra Vez, em uma pausa dramática no meio da canção, o silêncio foi quebrado: “Te amo, Roberto!” Expectativa: em vez de mandar a fã calar a boca, o Rei devolveu: “Também te amo”. A casa veio abaixo.


Um dos momentos altos do show, curiosamente, foi quando Roberto se ausentou do palco. A sua banda, que o acompanha com a mesma formação há mais de 40 anos, “virou do avesso” em uma versão instrumental com pitadas de jazz da canção Calhambeque, de 1963 – que se tornou uma das marcas registradas musicais do Rei.


Ao retornar, e após cantar “meu calhambeque bi-bi”, o cantor prestou uma merecida reverência à sua banda, com “músicos que estão entre os melhores do mundo”.


Sua estupidez?

Aos olhos do seu público, em Roberto, o amor e a lealdade caminham de mãos dadas – eis o segredo do pacto; o suficiente para (re) criar a identificação, para manter a magia acesa. Mas se, nos megasshows dos anos 70 e 80, roteirizados por Ronaldo Bôscoli e Luís Carlos Miele, cada palavra era ensaiada como se fosse única, hoje, do alto de seus 81 anos, Roberto Carlos parece mais leve, mais espontâneo nas apresentações.


“Fiz essa música... Bem, não posso falar pra quem eu fiz essa música... Por uma questão ética...”, disse. E ainda sorriu antes de começar Sua Estupidez. Considerando a fala de Roberto, a letra da canção (“...sua estupidez não lhe deixa ver/que eu te amo...”) e o ano da gravação, 1969, que grande amor proibido, e aparentemente não consumado, está sendo escondido? Se revelado, seria alguma bomba para a MPB? Com a palavra, a imaginação...


Vontade e potência

Desabafo, regravada inclusive por Maria Bethânia, é uma canção potente. No show de quarta, à luz da gravação original de 1979, a potência da canção foi diluída na voz já não tão potente do Rei – tanto que, nos arranjos atuais de quase todas as músicas, os tons foram abaixados em uma ou duas notas.


Porém, se o peso da idade já se impôs no corpo, na alma a vontade de expressão ainda consegue driblar as limitações. A voz falha aqui e ali, Roberto esquece a letra (aconteceu em Além do Horizonte), mas o fraseado perfeito e a interpretação emotiva ninguém, nem a idade, tira dele.


Tanto que o público não se conteve e se precipitou à frente do palco, bem antes do “momento chave” do pacto, a canção Jesus Cristo, que encerra o show e inicia a distribuição das rosas. “Vocês chegaram mais cedo, mas hoje passa. Desde que fiquem quietinhas” – e começou a cantar Como É Grande o Meu Amor por Você, penúltima música do espetáculo.


Foi obedecido. Mas sobre a distribuição das flores, logo a seguir, não se pode dizer que foi um mar de rosas: Roberto “puxou a orelha” de uma fã que tentou arrancar a flor de sua mão. Mas nada que maculasse mais uma noite mágica para fãs e ídolo, que saíram do Vibra São Paulo com o pacto “atualizado com sucesso”.


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