Você vai saber meu nome? Há um ano, recebi uma notícia que me despedaçou

Eu já havia perdido algumas pessoas na vida, mas não uma tão próxima, com a qual compartilhei minha existência

Por: Beth Soares  -  17/07/22  -  20:13
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Há um ano, recebi uma notícia que me despedaçou. Eu já havia perdido algumas pessoas na vida, mas não uma tão próxima, com a qual compartilhei parte muito, mas muito significativa da minha existência. Alguém que desempenhou vários papéis principais em cenas que preenchem a minha história de lembranças simplesmente inesquecíveis.


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Quando conheço lugares bonitos ou quando minhas memórias me levam para algumas das experiências que tive ao lado dele, é impossível não sentir um profundo pesar, logo depois de me alegrar pela beleza vista ou pela lembrança terna.


Eu acredito em muitas vidas. Acredito, inclusive, que em uma existência nós podemos viver muitas delas. São essas vidas diversas que compõem um panorama que tornará a nossa passagem pela Terra mais ou menos significativa, a depender de como decidimos lidar com os eventos que não controlamos. Então, eu escolhi seguir.


Conhecer o processo do luto, ter lido e trabalhado com o tema, deu-me alguma noção dos passos pelos quais eu passaria, mas nada disso, obviamente, garantiu-me alguma vantagem no quesito sofrimento. E dói. Todo dia dói um pouco, ainda que em alguns dias a dor varie de intensidade.


A memória é uma dádiva, um alento, mas também um poço profundo, com um nível de saudade que volta e meia transborda e inunda tudo que está no caminho. É impossível não pensar que, ao menos nas experiências do aqui e agora, eu não terei mais oportunidade de olhar aqueles olhos gigantes emoldurados por cílios longos e espessos, nem ver novamente aquele sorriso de menino.


É impossível não pensar que, ainda que eu mereça, um dia, estar novamente na presença dele, pode ser que já não haja mais a mesma fisionomia, os mesmos traços, o mesmo jeitão despojado e despreocupado com formalidades e convenções sociais, que eu tanto admirava.


Lembro que, ainda criança, quando ouvi pela primeira vez Eric Clapton recitar Tears in Heaven e me emocionei com a melodia. Naquela altura, ainda não sabia o que a letra dizia e corri para descobrir a tradução. Ao lê-la, não compreendi o porquê de tantas dúvidas. Percebi que o músico manifestava seu medo de que a pessoa para quem a canção era dedicada — seu filho, falecido num acidente — talvez não se lembrasse de seu nome ou não quisesse segurar sua mão... Duvidava até se ele seria o mesmo.


Na minha cabeça infantil, a resposta era tão simples: é claro que vai se lembrar de tudo e vai ser o mesmo! Hoje, no entanto, entendo perfeitamente o mar de incertezas do compositor. Toda a minha segurança infantil sumiu. Deixei de contar as vezes que me peguei fazendo as mesmas perguntas e dizendo para mim as obviedades que o Clapton repetiu para si mesmo, provavelmente porque ouviu de outras pessoas: “eu sei que tenho que ser forte e seguir em frente...” Esse exercício até pode ajudar um pouco, mas não cura por si só. Aliás, muita gente também diz que o tempo cura. Na canção, o músico fala que o tempo pode dobrar nossos joelhos, isso sim. E concordo com ele; talvez o que o tempo traz não seja uma cura, mas uma maior flexibilidade em aceitar o que a vida nos proporciona. E isso, muitas vezes, significa ter que se reerguer após a queda e catar milhares de caquinhos.


Tudo que a gente espera, afinal, é que a pessoa que se foi ao menos se lembre do nosso nome, assim como nos lembramos do dela todos os dias, apesar de termos seguido adiante.


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