Tricampeã mundial de kitesurf luta pelo espaço da mulher no esporte: 'O kite é a minha vida'

Bruna Kajiya cresceu no litoral de SP e é um dos principais nomes da modalidade no mundo

Por: Stevens Standke  -  13/02/22  -  22:34
  Foto: Bruno Terena/ Red Bull pool/ Divulgação

Bruna Kajiya tem desbravado mares radicais desde que se aventurou pela primeira vez no kitesurf, quando ainda estava no Ensino Médio em Ilhabela, no Litoral Norte de São Paulo, onde cresceu. Hoje, aos 34 anos, contabiliza títulos de peso: é tricampeã mundial e já venceu cinco vezes o campeonato brasileiro de kite. Superfocada e dedicada, quer com sua trajetória ajudar a abrir ainda mais espaço para a mulher no esporte, além de estimular o desenvolvimento da cultura do kitesurf no Brasil. “Os países europeus respeitam o kite mais do que a gente. Na Alemanha, nós, atletas de alto rendimento, costumamos participar de sessões de autógrafos com filas. Mas é fato: o Brasil está crescendo bastante nesse esporte”. Bruna, em 2 de março disputará na Colômbia mais uma etapa do Mundial deste ano, também gosta de marcar presença nas redes sociais, onde faz questão de responder aos pedidos de “auxílio” e compartilha seu life style – alguns dos seguidores até se tornaram seus amigos. “Quando fui para a França, um casal de lá que me acompanha quis me encontrar e me apresentou a filha recém-nascida. Eles a batizaram de Bruna”.


Acha que sua trajetória ajuda a ampliar a representatividade da mulher no kite?
Creio que sim. O meu grande propósito sempre foi lutar por mais espaço para a mulher no kitesurf, porque, quando comecei, o esporte era praticamente dominado por homens. Nas sessões de foto, as mulheres eram tratadas como acessórios bonitos, como alguém para ficar na praia de figuração, segurando o kite, em vez de ser colocada como atleta de alta performance. Também teve o seguinte: na primeira competição de que participei, durante as baterias femininas, a maior parte do público usava aquele momento como um “break”, para pegar comida ou ir ao banheiro antes de os homens voltarem a competir. Desde então, a minha missão é inspirar as mulheres e mostrar que o kite também é para a gente.


Houve uma melhora nesse sentido?
Estou com 34 anos de idade e pratico kite há 18 anos. Comecei a competir um pouco depois, há 14 anos. Ou seja, peguei bem o início do esporte no Brasil. Hoje, sinto que a situação está melhor, mas ainda temos bastante a avançar. O número de mulheres praticando kite aumentou bem, e creio que dei a minha contribuição para isso. O kite é um esporte bonito, que encanta. O único problema é que costuma ser caro, pois tudo é importado, não se produz nada aqui no País.


O que despertou seu interesse pelo kite?
Eu nasci em Vinhedo, no Interior de São Paulo, mas cresci em Ilhabela, no Litoral Norte. Sempre fui do mar. Me chamavam de peixinho. Para você ter ideia, até hoje, me sinto mais à vontade dentro do mar do que fora dele. Comecei surfando, apenas por lazer. Um dia, fui pegar onda e o mar estava bem agitado. Tomei vários caldos; a prancha acabou batendo na minha cara e abriu a minha boca de dentro para fora. Tive sorte, pois conseguiram costurar sem deixar cicatriz. Mas fiquei um pouco traumatizada. Tanto que, por um tempo, tinha taquicardia quando entrava no mar. Lembro que, naquela época, eu estava no Ensino Médio e, da janela da sala de aula, dava para ver o pessoal praticando kitesurf. Quando saía da escola, eu ia à praia assistir. Assim começou meu amor pelo esporte.


E a primeira vez em que praticou kite?
Foi impactante! Um amigo me auxiliou, só que, em Ilhabela, há muitas tempestades que vêm do sul. Fomos surpreendidos por uma que não estava prevista. Por causa do vento forte, fiquei à deriva por uns dois quilômetros, até conseguir parar numa praia. Amei aquilo! (risos) Foi aí que o bichinho do kite me picou.


O que pesou para começar a competir?
Como terminei o Ensino Médio com 16 anos, morei seis meses em Maui, no Havaí, para estudar inglês. Quando voltei para o Brasil, queria cursar Relações Internacionais em São Paulo. Só que minha mãe foi um “anjo”. Ela falou: “Você é muito boa no kite. Por que não tenta competir?” Com esse empurrãozinho, fui para a minha primeira competição e vi que realmente tinha potencial.


Deve ter sido difícil para se manter no esporte até conseguir patrocinadores.
Meus pais me ajudaram. Também tive a sorte de ir muito bem já no início e de logo entrar no pódio mundial, o que me rendeu um dinheiro. Assim, fui indo. Hoje, eu vivo bem e apenas do esporte, mas é complicado para a maioria das pessoas conseguir se manter só com o kite.


Como é seu dia a dia fora dos torneios?
Eu treino o tempo todo. Concilio a preparação na água com a academia, para manter a musculatura fortalecida, porque faço freestyle, que é a parte mais radical do kite e que lesiona bastante. Quando acordo, também costumo praticar ioga, para manter meu alongamento em dia, pois o kite tende a deixar o corpo tenso. Quando estou no Brasil, às vezes fico em Ilhabela, mas diria que a minha base é o Nordeste, o melhor local do mundo para a prática do kitesurf, na minha opinião. Geralmente, fico no Ceará: em Cumbuco, que recebe uma etapa do mundial, e em Taíba.


Teve de deixar a sua vida pessoal meio de lado para focar no esporte?
Abri mão de muita coisa pelo kite. Como viajo a maior parte do ano, pouquíssimo vejo a minha família e perdi momentos especiais nas vidas das pessoas que amo. Mas considero o kite minha vida. Não me arrependo de ter me doado ao esporte.


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