Sim, cansa: 'Essa história de que somos guerreiros é bonitinha só até a página quatro'

Num 1º momento, sorri ao ler essa frase da Mônica, uma amiga que vive fazendo piada até quando as coisas estão ruins

Por: Beth Soares  -  27/02/22  -  14:55
  Foto: Adobe Stock

— Amiga, estou tão cansada. E estou cansada de dizer isso.


Clique, assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe centenas de benefícios!


Num primeiro momento, sorri ao ler essa frase da Mônica, uma grande amiga que vive fazendo piada até quando as coisas estão muito ruins. Ela tem aquela capacidade bonita de alguns seres humanos, que considero uma grande qualidade: a de rir de si mesma, de não se levar tão a sério. Mas logo percebi que não se tratava de uma piada. Ela reforçou:


— Não cansa?


— Cansa.


Eu respondi imediatamente, porque sei bem como ela se sente. Ter que estar sempre alerta no manejo da vida, buscando alternativas e tentando fazer escolhas que doam menos, cansa. E nada garante que todo esse esforço vai compensar. Decidir algo pode significar abrir mão de um sem-número de outras coisas, incluindo pessoas, situações e ambientes que amamos muito. É impossível calcular as consequências disso a médio e longo prazos. Até porque existem os imprevistos, os golpes do destino, a crueza da vida. Raramente somos acompanhados pela certeza integral (se é que isso existe) quando tomamos uma decisão.


É, amiga, cansa. Cansa lutar e voltar ferida ou ferido constantemente. Essa história de que somos guerreiros é bonitinha só até a página quatro. Ao menos para quem está no front de batalha. E, definitivamente, ter que decidir é o que nos leva, muitas vezes, ao meio do fogo cruzado. Inclusive, quando optamos pela pseudoneutralidade da não decisão. Porque isso também é decidir. Confesso que eu tenho momentos em que sonho com alguém que surja de uma outra dimensão e decida tudo por mim, com a certeza de que só serão tomadas as decisões certas. Mas será que eu conseguiria relaxar completamente? Será que o hábito de controlar ou, ao menos, tentar controlar minhas escolhas me permitiria isso?


O fato é que, todo dia, a gente precisa decidir como a nossa microparte de vida será, ainda que muitos nem pensem nisso enquanto decidem. E o conjunto dessas decisões pequeninas geram as fases da vida. E essas fases, pouco a pouco, acrescentam um tempero agridoce às nossas memórias. E a maneira como elaboramos essas memórias molda o nosso olhar para o mundo, para a vida.


Quando o cansaço aparece, é permitido a todos nós parar para respirar uns instantes e tomar um pouco de fôlego, para não desistir. Pena que nem todo mundo se dê conta desse bônus que, muitas vezes, a vida oferta sem nenhum custo adicional.


E entre a amargura, a acidez e a doçura, a gente vai em frente. Mesmo quando cansa.


Tudo sobre:
Logo A Tribuna