O machismo vivido por mulher de seis irmãos homens: “Ainda hoje, pensar pode ser perigoso"

Única mulher entre os sete filhos de dona Marina e seu Camilo, Célia aprendeu desde cedo a lidar com o preconceito

Por: Beth Soares - Colaboradora  -  10/04/22  -  15:31
Aprendendo desde cedo a lidar com o machismo
Aprendendo desde cedo a lidar com o machismo   Foto: Adobe Stock

Célia nasceu na Bahia. Mudou-se para São Paulo há 20 anos, para cursar Psicologia. Única mulher entre os sete filhos de dona Marina e seu Camilo, aprendeu desde cedo a lidar com o machismo.


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Hoje, Célia é uma mulher independente. Tem casa própria. O namorado se mudou para o apartamento dela e virou marido. Com o tempo, algumas coisas na casa começaram a pedir reparo. Célia contatou alguns profissionais e fez orçamentos.


Um desses profissionais foi consertar a máquina de lavar, que havia parado. Depois de vê-lo revirar o aparelho de cabo a rabo e ouvir o preço que cobraria pelo serviço, Célia pediu que esclarecesse qual era o problema. Irado pela ousadia da cliente em questionar o inquestionável, o técnico não se conteve.


— Fica tranquila, dona Maria, a senhora não vai ficar sem a sua amiga inseparável.
— Ela é minha auxiliar, assim como a da sua casa é para o senhor. Ou o senhor lava suas roupas à mão?
O homem, visivelmente irado, ainda perguntou:
— Há quanto tempo a senhora trabalha aqui?
Sem compreender a pergunta, Célia devolveu:
— Aqui aonde?
— Aqui, nesta casa. A senhora, pelo sotaque, é a doméstica, não é mesmo?
Célia contratou outro profissional, que não se incomodou por ter de explicar a ela exatamente o que faria.


No mês seguinte, a psicóloga precisava instalar na cozinha um exaustor, sobre o fogão. Quando o funcionário da empresa onde comprou o aparelho começou a instalá-lo, Célia tentou alertá-lo de que, na altura em que ele estava colocando, o fio do eletrodoméstico não chegaria até a tomada. Sem esconder a irritação, o funcionário perguntou se ela era técnica. Antes que ela pudesse responder, emendou com a informação de que trabalhava há muitos anos fazendo aquilo. Quando o aparelho já estava fixo à parede, não foi possível ligá-lo. O fio não chegou até a tomada.


Dias depois, Célia e o marido viram um lustre em promoção. Compraram e o estabelecimento disponibilizou um profissional para instalá-lo. Quando ele chegou à casa, Célia já tinha lido o manual de instalação. O marido dela não dispunha de paciência para isso. O funcionário ignorou a disponibilidade da mulher, que estava ali na sala, e pediu para que ela chamasse o marido para ajudá-lo.


Quando os dois homens começaram a montar o lustre, ela advertiu que não estavam colocando as peças na ordem correta. Foi ignorada. Até que, 40 minutos e duas montagens fracassadas depois, eles decidiram seguir as sugestões dela. Em cinco minutos, o trabalho estava feito.


Apesar da intimidade com neurônios desde a infância, Célia nunca conseguiu entender essas coisas. Talvez porque seus pensamentos e atitudes se guiem pela lógica e se baseiem em observações livres de autocensura.


Tomara que, mesmo em meio à leitura de manuais e afins, ela nunca descubra que, ainda hoje, pensar pode ser perigoso.


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