“Dia Internacional da Mulher não se comemora. É dia de debater"

Data é celebrada na terça-feira (8)

Por: Suzane Gil Frutuoso  -  06/03/22  -  15:39
Mulheres
Mulheres   Foto: Adobe Stock

Há cerca de seis anos, comecei a estudar questões de gênero. Naquele momento, meu interesse era principalmente compreender uma série de violências e microagressões diárias que as mulheres sofreram ao longo da vida. Desde a infância, como parte da educação que receberam, e relacionadas a padrões sociais que indicavam o “adequado” ao feminino.


Foi um período em que conteúdos sobre direitos femininos e feminismo se tornaram mais acessíveis com a internet. Grupos de debate sobre tais temas se formaram na rede e, logo, migraram para rodas de conversa presenciais, trazendo junto indicações de uma literatura rica sobre a condição feminina em diferentes aspectos e culturas. Debates que sempre existiram, mas que, por muito tempo, ficaram restritos ao ambiente acadêmico. Discutidos em linguagem difícil para a mulher que leva um tapa na cara e ouve que o sofrimento pelo qual passa é culpa dela, que é quem provoca aquilo.


Me interessei tanto e entendi como sendo algo tão fundamental que eu mesma quis “espalhar a palavra”. Criei uma marca junto com uma amiga para palestras e workshops de desenvolvimento pessoal e profissional para mulheres. Parti da minha experiência: mulher pós-graduada, financeiramente independente, com carreira em ascensão, livre para escolhas pessoais como a de não ter filhos. Queria que toda mulher alcançasse o poder de decisão e emancipação sobre a própria existência assim como eu, sem precisar derrubar muros a marretadas.


Vou dar alguns exemplos do que enfrentei: ganhei salários menores pelas mesmas tarefas que os pares masculinos. Fui indagada se pretendia engravidar quando surgia a possibilidade de mudança de cargo. Fui assediada no começo da carreira por um diretor. Toda equipe sabia, e aquilo era visto como piada, como “coisa de homem”.


Demorei anos para compreender o quanto me sentia intimidada e assustada com as investidas dele. Quanto aquilo me paralisou em reuniões nas quais ele estava presente. Como eu não fiz nada quando soube que ele repetiu o comportamento com outras jovens em início de carreira.


“Menina não fala desse jeito; menina não senta desse jeito; você é mandona, ninguém vai querer casar com você; isso não é coisa de menina” foram (e ainda são) falas recorrentes que gerações de mulheres vêm ouvindo. O que derruba a nossa autoestima, da infância à adolescência, em até três vezes em relação aos meninos. Nos colocando dentro de caixinhas de limitações para sermos aceitas e não reagir ao que culturalmente eram “direitos” masculinos.


O tempo passou, continuo estudando gênero, mas com um olhar mais holístico sobre como a condição feminina, no século 21, ainda é diariamente dilacerada. Hoje, sei que não dá para eliminar a violência contra a mulher (física, psicológica, patrimonial, simbólica) sem analisar também como os homens são criados. “Homem que é homem não chora; engole esse choro; você tem que bater primeiro; você tem que ser o provedor”, entre outras falas duras, criam uma masculinidade tóxica, em que garotos entendem que não devem jamais socializar suas emoções para não serem fracos e que é no grito (ou no soco) que se ganha respeito.


Sei que a minha experiência pessoal é um lugar de extremo privilégio e que não responde às dores e anseios de tantas outras mulheres. Como pesquisadora, aprendi que a variável “feminino” é diversa demais e atravessada por outras opressões, como questões de raça, classe, origem, padrões corporais. Que enquanto eu lutava por ascensão na carreira, muitas mulheres nem pensam nisso, porque precisam sobreviver economicamente e emocionalmente. Que a mulher trans deve ser respeitada tanto quanto eu.


Que talvez parte das minhas reivindicações reforce opressões enfrentadas por outras mulheres. Já pensou que a diarista que cuida da sua casa e dos seus filhos mal tem chance de criar os próprios filhos, e muito menos de ter reais oportunidades de mudar a história dela? Só esse tema vale outro texto, com análise do que é e para que serve o Estado de bem-estar social.


Aprendi muito. Continuo aprendendo. Inclusive que o Dia Internacional da Mulher não se comemora. É dia de debater e definir marcadores para avançarmos. Todas nós. Sem que nenhuma de nós fique para trás.


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