Criador ou criatura? A inteligência artificial já está no nosso cotidiano
O desafio é controlar as máquinas
“A inteligência artificial (IA) vai vencer a humana. Não chegaremos nem perto”. A previsão é do vencedor do prêmio Nobel Daniel Kahnemans. Nas duas últimas décadas, a IA passou de conceito a algo presente no cotidiano. Está no robô-aspirador, mapeando sua casa; no celular, completando palavras; no mercado eletrônico, “adivinhando” seus desejos.
Para Kahneman, esse avanço seria assim, sorrateiro. E como um psicólogo, com Nobel em Economia, se perguntava: “Como as pessoas vão se ajustar a isso?” Em breve, decisões de vida e morte passarão pela IA, seja nos veículos autoguiados ou no prognóstico médico – apenas para citar dois casos concretos.
Por isso, legisladores de vários países se debruçam sobre o tema. No Senado, em Brasília, encontra-se para votação a lei que vai regular direitos e deveres relacionados à inteligência artificial. A proposta brasileira, inspirada nos estudos europeus, foi aprovada em quatro meses na Câmara. A União Europeia estuda a regulamentação há quatro anos. Lá, eles querem regras objetivas, inclusive como, entre outros casos, na definição de quem é o responsável por uma eventual fatalidade – fabricante, desenvolvedor ou usuário?
A versão nacional da legislação, que será agora apreciada pelos senadores, deixa esse e outros temas em aberto, para futuras regulamentações, entendendo que são aspectos que merecem uma melhor análise.
Porém, uma carta recém-lançada e assinada por mais de 20 advogados e juristas alerta que, em vez de atrair, a falta de regras claras acabará afastando empresas e investimentos em Ciência.
Outra crítica se deve ao fato de que a comunidade científica “não foi consultada”, como afirma Sérgio Novaes, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e diretor do Advanced Institute for Artificial Intelligence (AI2), entre outros especialistas. Toda essa preocupação se deve ao fato de que a IA tem a capacidade de manipular, vigiar e dominar, deixando criadores à mercê de algoritmos.
A inteligência artificial, justamente pela complexidade e pelo difícil entendimento, precisa, segundo os especialistas, de uma ação mais didática por parte dos governos, ampliando a participação da sociedade nos debates.
Nós podemos não ser páreo para cérebros eletrônicos capazes de apreender e se sofisticar. Mas uma coisa é certa: um bom aproveitamento da IA, ao longo das próximas décadas, será medido pelas ações de hoje.
Laura, um robô brasileiro no hospital
Muitas invenções que hoje fazem parte da vida da sociedade surgiram a partir da necessidade de resolver um problema ou, por vezes, de um trauma que move a pessoa a buscar soluções.
A história registra, por exemplo, o caso de Samuel Morse, um artista plástico que, em razão de uma tragédia pessoal, acabou inventando o telégrafo em 1835.
Longe de sua casa, em viagem a trabalho, ele só ficou sabendo da morte da mulher após o seu enterro. O seu luto foi dedicado a criar um método que permitisse uma comunicação a distância.
Situação semelhante envolveu o brasileiro Jacson Fressatto. Em 2010, esse arquiteto de sistemas de Curitiba (PR) perdeu a filha, prematura, ainda na maternidade. A dor e o sofrimento o levaram a um feito inédito: a criação do primeiro robô cognitivo gerenciador de riscos do mundo, que recebeu o nome da filha de Fressatto, Laura.
Instalado em mais de dez maternidades brasileiras, o robô Laura já salvou mais de 20 mil recém-nascidos pelo País. “O que eu fiz foi uma ferramenta para o médico, que o transforma em um super-herói”, afirma Fressatto.
Laura é capaz de analisar dezenas de variáveis em menos de um segundo, antecipando quadros de infecção com, pelo menos, dez horas de antecedência.
Conectado aos prontuários médicos, o robô monitora os dados e, ao identificar qualquer mínima anomalia, dispara um alerta. O resultado pode ser avaliado em números. Mais de 9 milhões de pessoas já foram acompanhadas pelo sistema, que reduziu as taxas de mortalidade em mais de 25%.
Em outubro de 2020, durante uma conferência internacional organizada pelas universidades de Harvard e Johns Hopkins, ambas nos EUA, a empresa de Fressatto foi considerada uma das cinco melhores do mundo em projetos de IA para a área da saúde.