Conexão entre cães e tutores evolui; cientistas comprovam

Seu cão “fala” com você? Ele entende o que você deseja? Especialistas reuniram dados que mostram esse entendimento

Por: Marcus Neves Fernandes  -  17/04/22  -  19:17
Estudo sugere que, ao longo do processo de domesticação, os humanos podem ter criado cães seletivamente com base em expressões faciais semelhantes às suas
Estudo sugere que, ao longo do processo de domesticação, os humanos podem ter criado cães seletivamente com base em expressões faciais semelhantes às suas   Foto: Adobe Stock

A sensação de comunicação compartilhada por muitas pessoas e seus pets pode ser fruto da evolução, que moldou até mesmo as fibras dos músculos faciais desses animais de estimação.


Tal evidência foi apresentada neste mês, por um grupo de cientistas, no Congresso Americano de Fisiologia. Ela se baseia na comparação da quantidade de músculos de contração rápida usados para formar expressões faciais. Quando cães são comparados com lobos, esses músculos estão mais presentes nos cachorros do que em seus ancestrais.


Por necessidade e/ou cruzamentos que buscavam essa característica, os cães, hoje, “falam com os olhos” de maneira muito mais objetiva do que os lobos. “Essas diferenças sugerem que ter fibras musculares mais rápidas contribui para a capacidade de um cachorro se comunicar efetivamente com as pessoas”, observa a pesquisadora Anne Burrows.


Benefício
Segundo ela, ao longo do processo de domesticação, os humanos podem ter criado cães seletivamente com base em expressões faciais semelhantes às suas. “E com o tempo, os músculos dos cachorros podem ter evoluído para se tornarem ‘mais rápidos’, beneficiando ainda mais a comunicação entre eles e os humanos”, afirma.


Animais domésticos, como cães e gatos, são de interesse especial dos cientistas. Afinal, nenhum outro interagiu tanto com os humanos a ponto de produzir mudanças comportamentais, alterações essas que também tiveram reflexos em nós.


Um estudo demonstrou, por exemplo, que mesmo quando orientados a repetir frases de agrado a cães, os humanos não percebem que mudam o tom de voz quando são mostradas imagens de cães adultos e bebês.


Futuro
Outra pesquisa, por sua vez, buscou determinar se o aprendizado dos cachorros é uma reação evolutiva (inata) ou fruto de aprendizagem. Os dados obtidos levam a uma curiosa conclusão: o que realmente faz com que um cão siga um comando é a familiaridade que ele tem com a pessoa.


Isso não descarta a predisposição genética, mas abre uma hipótese, no mínimo, interessante. “Melhorando as suas habilidades além do que está relacionado à genética”, diz a cientista canadense Clare Cunningham. Ela acrescenta que, no futuro, “pode ser que a seleção leve essa habilidade a se tornar ainda mais elevada, para que eles possam dizer o que seu tutor quer que eles façam, mesmo antes que uma sugestão seja dada”.


Ao longo da história
QUANDO?

Quando um lobo se tornou um cão? Essa é uma pergunta que permanece sendo redefinida. A cada nova descoberta, o relógio retroage, podendo ir de 10 mil anos a até 35 mil anos no passado. É o que indica um estudo recente, feito a partir de um osso encontrado na Sibéria. Se a hipótese vier a ser confirmada, significa dizer que os primeiros cães surgiram apenas alguns milhares de anos depois que os neandertais desapareceram da Europa e os humanos modernos começaram a povoar o velho continente e a Ásia. Outro estudo sugere, porém, que manter cães como animais de estimação só começou há 2 mil anos e que, até muito recentemente, a grande maioria dos cães era usada para tarefas específicas.



ONDE?
A Ásia, mais especificamente o sudeste do continente, nas proximidades do Rio Yangtsé, na China. Esse teria sido o local onde os primeiros lobos foram domesticados. Mas não espere consenso entre os cientistas. Dados arqueológicos e um estudo genético sugerem, por outro lado, que os cães são originários do Oriente Médio, ligados, entre outros fatores, ao início da agricultura – uma corrente de pensamento que ainda reúne muitos estudiosos. Mas a polêmica segue. Uma pesquisa também recente, que examinou o DNA de 642 cães, diz que as raças caninas europeias e americanas foram muito mais influenciadas por cães do sudeste asiático do que pelos do Oriente Médio.


POR QUÊ?
O que levou o ser humano a domesticar lobos? E o que estes teriam a ganhar nesse processo? Há algumas pistas. Sociedades humanas, mesmo pré-históricas, geram lixo, restos que atraem outros animais. Esse seria um fator primordial nessa aproximação. Todavia, lobos e humanos, em um território, seriam competidores. Em um inverno, por exemplo, nossos ancestrais teriam matado lobos para reduzir a competição em vez de domesticá-los. Mas, como os lobos têm pouca gordura, crê-se que, em vez de comê-los, acabaram os alimentando com restos das caças, permitindo uma maior interação e até mesmo cooperação. E, nesse processo, a domesticação se tornou viável e mutuamente interessante.


A ESCOLHA
Como uma pessoa escolhe um animal de estimação? Estudo sobre faces de gatos identificou clara preferência dos humanos por rostos “fofos”, redondos. Essas características são provavelmente o resultado da nossa preferência por aspectos infantis, que mexem com nossos instintos de proteção. O problema é que essa seleção artificial prejudica a capacidade de comunicação desses animais. Quanto mais a cara for “achatada”, menos existem nuances faciais. O estudo pode ser corroborado no dia a dia dos centros de adoções. Em Santos, a Coordenadoria de Defesa da Vida Animal (Codevida), já identificou que gatos pretos e não filhotes dificilmente são adotados. Compreender melhor essa relação milenar pode ajudar.


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