Coalizões mais efetivas são as que reúnem pessoas de opiniões diferentes

Quem discordar, estou pronta para um elegante e divertido embate

Por: Suzane Gil Frutuoso  -  29/05/22  -  22:33
Não só a política nos levou a enxergar vizinhos e familiares como inimigos.
Não só a política nos levou a enxergar vizinhos e familiares como inimigos.   Foto: Adobe Stock

Mel, Lilica, Brisa, Marie, Tufão, Olaf, Thor, Duque, Chocolate, Liro. Esses são os coleguinhas de uma das minhas filhotas de quatro patas, a Charlotte - conhecida também como a vira-lata mais bonita do Brasil. Desses dez doguinhos que encontramos diariamente nos nossos passeios, sei o nome de apenas quatro dos tutores. Mesmo entre aqueles que desconheço nomes, temos algo em comum: o amor pelos animais.


A cada encontro, sempre tem uma paradinha para trocar ideia sobre quanto esses focinhos de luz são sinônimo de alegria, companheirismo e cura. Quanto nos trazem para o momento presente e são a lembrança constante de que a vida passa rápido. Vamos jogar uma bolinha agora?! Vamos?! Vamos?!


Não nomeio os vizinhos, mas sei que temos simpatias mútuas pelo que os bichinhos representam. E de uns tempos para cá, comecei a notar que ao conversar sobre eles, estamos sempre de acordo, dando dicas uns para os outros do que pode ser melhor para a saúde e bem-estar dos mascotes. Inclusive dos gatinhos, que muitos também têm. Jeannie é Um Gênio, minha caçula felina, causa comoção quando sai na caixa de transporte para o veterinário. Ela tem um problema nos olhinhos e no aparelho respiratório. Sempre recebe cumprimentos carinhosos de melhoras.


A causa animal une. Ninguém para e pergunta “em quem você votou?” antes de se mobilizar para ajudar financeiramente uma ONG que resgata bichos vítimas de maus-tratos, por exemplo. Talvez seja um ponto de partida para perceber quão polarizados estamos. Não só a política nos levou a enxergar vizinhos e familiares como inimigos. O mau uso das religiões, das redes sociais e de lutas legítimas nos ensurdecem para juntarmos esforços e colocar energia em pontos essenciais para toda a sociedade.


No livro Como as democracias morrem, de Steven Levitski e Daniel Ziblat, professores de Ciência Política da Universidade Harvard, um dos caminhos apontados pelos autores para diminuir a temperatura das polarizações é entender que coalizões de ideias convergentes são fundamentais, mas não bastam para defender a democracia. As coalizões mais efetivas são as que reúnem pessoas de opiniões diferentes sobre muitas questões, que não são amigas, sendo até adversárias. É difícil, como reforçam na obra. Exige disposição para deixar de lado, por um momento, questões com as quais nos preocupamos profundamente. No entanto, é um engolir em seco para encontrar bases comuns que nos permitam sair dos piores cenários.


Meu vizinho aqui de porta pode considerar o feminismo um exagero (uma incompreensão que para mim é absurda sobre um movimento que trouxe avanços para a realidade de pessoas de todos os gêneros). Mas podemos concordar que a desigualdade socioeconômica no país continua jogando expressiva parte da população na miséria e isso precisa mudar. Seja porque para mim é sobre tirar a dignidade humana. Seja porque para ele gera aumento nos índices de violência. Quando exercitamos a tolerância, deixamos de enxergar o outro apenas como um inimigo.


Nada disso significa passar pano para quem defende o indefensável, como o extermínio do diferente. Sim, há com quem não exista diálogo. Porém, não é a posição de muita gente, que às vezes apoia algo nesse sentido sem compreensão exata do que está apoiando, das consequências, do que está por trás ou em jogo.


Lanço o desafio para que nos próximos meses você chame para escutar ativamente alguém de matiz ideológico diferente do seu. Ouça essa história e como ela se constrói. Se possível, anote os pontos em comum, que sempre surgem. Inclusive, ao aprender a não intimidar o outro com a nossa verdade, as chances de trazê-lo para nosso lado em alguma medida aumentam.


Só há uma coisa que todas e todos devem concordar: a Charlotte é a vira-lata mais bonita do Brasil! Quem discordar, estou pronta para um elegante e divertido embate.


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