Cantora e compositora fala sobre empoderamento feminino e espaço para o artista negro

Teresa Cristina fez várias lives durante a pandemia, que deram o que falar, e participa de vários projetos

Por: Stevens Standke  -  20/03/22  -  10:24
A artista carioca, de 54 anos, está com a agenda lotada
A artista carioca, de 54 anos, está com a agenda lotada   Foto: Divulgação

A cantora e compositora Teresa Cristina fez lives diárias durante um ano, no período de maior isolamento social, na tentativa de manter a sua saúde mental. Com isso, também ajudou muita gente, inclusive famosa, e deu o que falar.


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Hoje, a carioca de 54 anos está com a agenda lotada: vai desfilar em quatro escolas de samba do Rio de Janeiro em abril; escreve um livro sobre a sua trajetória; retomou o show Sorriso Negro – com uma banda só de mulheres e repertório de clássicos de compositores negros –; se prepara para gravar a terceira temporada do programa Botequim da Teresa, para o UOL; e lançará até o fim do ano um espetáculo em homenagem a Maria Bethânia e um álbum autoral. Sem falar que está na trilha sonora da novela das seis, Além da Ilusão, com a regravação de O Orvalho Vem Caindo, de Noel Rosa.


E mais: em 2023, estreará o seu bloco de rua no Carnaval carioca. Na entrevista, Teresa fala, entre outros assuntos, da razão de ter começado tarde na música, perto de completar 30 anos. “Acho que eu seria outra pessoa se tivesse nascido em uma família diferente. Gosto mais deles do que de mim. A gente tem uma cumplicidade e já passou por tanta dificuldade... Posso dizer que conheci a felicidade porque nasci na minha família”, afirma.


Você se surpreendeu com a repercussão das suas lives durante a pandemia?


Não imaginava que elas teriam tanto retorno, porque estava tão apavorada e desesperada... Eu havia acabado de ficar sem empresário. Ainda estava sem possibilidades de ganhar dinheiro. Cheguei a ficar dois dias sem dormir, de tão mal que estava, já que tenho mãe e filha para sustentar. As lives, portanto, foram um pedido de socorro. Conforme a audiência começou a aumentar, isso me trouxe uma esperança! Fiquei um ano fazendo as lives todo dia, pois aquilo era um compromisso com a minha saúde mental.


Em entrevista ao domingo+, a atriz Mariana Ximenes disse que as suas lives fizeram a diferença enquanto ela estava isolada. Você acabou ajudando muita gente.


Acho que as pessoas se identificaram comigo, havia uma espécie de cumplicidade; afinal, todo mundo estava no mesmo lugar, de se questionar o que devia fazer. Eu ainda bebia durante a transmissão. Chegava uma hora em que estava completamente bêbada e mostrava toda a minha indignação com a vida (risos).


Como está sendo a retomada dos shows?


É uma sensação diferente, porque a gente está numa situação híbrida. A pandemia não acabou, mas estamos meio que forçando a barra de que ela acabou. E por mais que os shows tenham voltado, tem gente que não vai. A primeira apresentação que fiz com público foi a gravação de um DVD e não podia falar com as pessoas. Então, os espetáculos ainda não são 100%, sempre falta alguma coisa.


Vai participar dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro em abril?


Eu vou desfilar em quatro escolas. Além da Portela, que é a do meu coração e pela qual sempre vou para a avenida, estarei na Viradouro, na Mangueira e na Beija-Flor. Amo Carnaval. A minha família tem o costume de virar a noite assistindo aos desfiles na TV e lembro que eu, ainda criança, era a corujinha que não deixava o pessoal dormir. Sou fascinada pelo Carnaval, acho tudo muito mágico. Desfilei pela primeira vez em 2001, pela Portela, que me convidou para fazer parte da ala de compositores. Antes disso, o máximo que acontecia era eu ir aos ensaios da escola, pois não tinha dinheiro para desfilar.


Você começou a se dedicar à música em 1997, perto de fazer 30 anos. Por que demorou para investir na sua carreira?


Na época, eu era vistoriadora do Detran (Departamento Estadual de Trânsito). Tudo aconteceu porque encontrei um disco do Candeia (sambista) que meu pai ouvia. Fui pesquisar sobre ele e acabei conhecendo a velha guarda da Portela. Junto a isso, passei a compor e senti vontade de cantar o que escrevia. No período, também cursava Letras, Literatura Inglesa e Norte-Americana. Resolvi trocar de faculdade e prestei vestibular para Literatura Brasileira e Portuguesa, o que me levou a ler Machado de Assis, (José) Saramago e (Carlos) Drummond (de Andrade). Ou seja, uma série de fatores me conduziram para a música, uma coisa foi puxando a outra. Tenho plena certeza de que o samba me escolheu, de que ele é um chamado ancestral. Hoje, tudo faz tanto sentido, apesar de eu nunca ter sonhado em ser cantora. Se for para elencar um sonho de infância, falaria que queria ser jogadora de vôlei. Quando comecei a cantar, eu ficava meio de olho fechado. Sentia vergonha. Cansei de imaginar que alguém da universidade ia aparecer e dizer que eu não era sambista. Quando vi pessoas falarem do meu trabalho, fiquei contentíssima; a música brasileira carecia de gente fazendo samba.


Ao longo do tempo, você tem levantado bandeiras como a do empoderamento feminino, por exemplo, ao se apresentar com banda só de mulheres. O que mais faz para contribuir com essa causa?


A história da mulher no samba foi apagada. Não há registros da Tia Ciata, que trouxe o gênero da Bahia para o Rio de Janeiro. A casa dela era frequentada por políticos, compositores e a sociedade carioca. Acho que o fato de isso não estar devidamente documentado fala muito de como o Brasil trata as mulheres. A gente precisa aumentar a presença feminina no samba. Imagino como deve ter sido difícil para a dona Ivone Lara; ela buscava parceiros musicais para conseguir que sua obra fosse gravada. Eu ajudo gritando, denunciando o que não está certo, porque o grito é o único timbre que todo mundo aqui no País escuta. Tive que conquistar no grito o lugar onde estou.


Você também valoriza os artistas negros.


Sem dúvida. O artista negro sempre está na espera. É assim: “Gostei bastante do seu trabalho; daqui a pouco, te chamamos”. E cansamos de tanto aguardar. É muito difícil ser o último da fila.


A fama diminui o preconceito?


O fato de eu ser artista não impede de, por exemplo, ao entrar numa farmácia, alguém vir atrás para verificar se não vou roubar nada. Já fui almoçar na casa de uma amiga e o porteiro fechou o portão em cima de mim, na chuva. Até quando a gente terá de aturar o olhar de desprezo, a falsa superioridade de muitos brancos?


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