Benefícios da cannabis na saúde são estudados e cada vez mais comprovados

Ela pode ser usada em tratamentos específicos e ajuda a melhorar a qualidade de vida

Por: Cláudia Duarte Cunha - Colaboradora  -  10/07/22  -  11:36
A cannabis pode, por exemplo, amenizar dores e inflamações, regular o apetite e o sono
A cannabis pode, por exemplo, amenizar dores e inflamações, regular o apetite e o sono   Foto: Adobe Stock

O componente da polêmica planta tem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso em tratamentos específicos e pode melhorar a qualidade de vida de quem sofre com dores, doenças neurológicas, glaucoma, depressão, insônia e outros males crônicos. O oftalmologista Claudio Lottenberg, presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e chairman da Zion Medpharma, fala do uso do canabidiol em prol da saúde.


Quais são as principais doenças em que a cannabis pode ser usada?


Entre as diferentes indicações, podemos dizer que o seu uso encontra-se em vários estágios de maturidade, de acordo com os estudos científicos. A cannabis oferece propriedades terapêuticas que interagem naturalmente com o corpo humano e possibilitam o tratamento de dezenas de condições médicas, de seus sintomas e suas consequências. Essa relação pode amenizar dores e inflamações, regular o apetite, o metabolismo, o sono, o estresse, a memória e muitos outros processos fisiológicos importantes para o funcionamento do nosso organismo. No Brasil, uma das condições médicas mais conhecidas que podem ser beneficiadas pelo uso medicinal da cannabis é a epilepsia refratária. Também podemos citar a dor crônica, a depressão e até mesmo o Alzheimer. Mas, como disse, muitas alternativas ainda estão em avaliação e com os estudos em andamento.


Como é feita a prescrição?


Até recentemente, a prescrição era possível somente mediante demanda individual, para uso compassivo. Era um processo complexo para se obter liberação legal, sendo preciso entrar em contato com um advogado e verificar as condições necessárias para a autorização. Recentemente, foi aprovado o uso de alguns dos medicamentos existentes no mercado internacional, com a venda em farmácias e drogarias, facilitando o acesso e ampliando as oportunidades de prescrição. É importante dizer que se tratam de medicamentos de uso controlado, para os quais deverá ser criada uma cultura. Existe um tabu a ser vencido e uma familiarização a ser estabelecida dentro da classe médica, que tem se apropriado de forma equilibrada a partir de seminários e encontros em prol da construção de uma cultura para a cannabis medicinal.


Qual a diferença na dosagem do uso medicinal/terapêutico para o recreativo e alucinógeno?


É importante explicar que os princípios ativos são as substâncias de uma planta que possuem efeitos biológicos no organismo de seres humanos e de outros animais. No caso da cannabis sativa, os seus princípios ativos se chamam canabinoides. Existem aproximadamente 130 canabinoides identificados até o momento, sendo que dois deles tiveram os seus efeitos destacados, que foram isolados e testados clinicamente em seres humanos. São eles: o canabidiol (CBD) e o tetraidrocanabinol (THC), que figuram como os canabinoides mais promissores nas pesquisas médicas desenvolvidas até agora.


No Brasil, esses produtos demoraram para ser comercializados, não é?


A liberação para a compra e venda de produtos derivados de cannabis no Brasil foi impulsionada, principalmente devido ao potencial do canabidiol no tratamento de crises epilépticas, especialmente em casos mais raros de epilepsia, nos quais os pacientes demonstram resistência aos medicamentos de uso convencional. Já o THC, que pode ter maior concentração em algumas variedades da cannabis sativa, é o principal responsável pelos efeitos psicotrópicos capazes de causar as alterações mentais, popularmente acessadas pelo uso de cigarros ou da ingestão de produtos comestíveis. O THC é o canabinoide com maior potencial de provocar dependência química e psicológica. Ele proporciona muitas possibilidades terapêuticas: foi o primeiro canabinoide a ser estudado e já teve todo o seu potencial avaliado. Também tem efeitos terapêuticos bem estudados, por exemplo no tratamento da falta de apetite em casos de aids ou das náuseas e vômitos em pacientes que passam por quimioterapia para combater algum tipo de câncer, ou então no controle da pressão intraocular em casos de glaucoma e no tratamento complementar da espasticidade em quem sofre de esclerose múltipla.


Quando prescrita pelo médico, o plano de saúde ou o Sistema Único de Saúde (SUS) arcam com as despesas dessa medicação?


O processo de financiamento do uso da cannabis deverá seguir as mesmas regras de incorporação tecnológica do Estado. Para isso, há o rol do plano e a comissão do SUS. Até então, inclusive por ser algo recente, não existe nada formalizado nesse sentido. Daí, a necessidade de envolver eticamente as sociedades médicas e científicas.


Qual o especialista que pode prescrever esse tipo de medicamento?


A rigor, todo médico pode prescrever um medicamento, independentemente de sua especialidade. Entretanto, mais uma vez, entra a necessidade de uma construção da cultura da cannabis medicinal dentro da comunidade médica.


Onde se compra canabidiol?


Ele pode ser comprado em farmácia mediante prescrição adequada para medicamentos controlados, o que, aliás, é uma rotina na prática médica assistencial.


E ele já está aprovado pela Anvisa?


A Agência Nacional de Vigilância Sanitária foi o órgão responsável por implementar as regulamentações que transformaram o cenário da cannabis para fins medicinais no Brasil, possibilitando a importação de medicamentos e produtos à base da planta para uso medicinal por parte de pacientes com condições médicas prescritas. O início dessa mudança se deu em 2015, com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) de número 3, que retirou o canabidiol (CBD), propriedade encontrada na cannabis, do rol de substâncias proibidas e o incluiu na lista C1, das sujeitas a controle especial (nessa mesma classificação, encontram-se a sertralina e a dibenzepina, que costumam ser utilizadas para tratar transtornos depressivos, entre outras substâncias comuns usadas na saúde). Em 2019, surgiu a RDC 327, que permitiu empresas interessadas em fabricar e comercializar produtos à base de cannabis a realizarem solicitações para a agência reguladora. Ela cria uma acessibilidade maior para as famílias que não tinham condições financeiras para importar os itens necessários, pois basta uma receita médica para conseguir comprar o canabidiol em alguma farmácia.


Como você passou a atuar dentro desse mercado?


Há cinco anos, venho estudando o mercado de medicamentos e a melhor qualidade na saúde. De nada adianta gastar grandes recursos em diagnósticos e não termos o ciclo completo do tratamento. Dentro dessa perspectiva, direcionei investimentos para iniciativas que possam trabalhar pela equidade nesse sentido. E nessa vertente, busquei entender o que existia por trás da cannabis, o que era verdadeiro e o que era mito. Encontrei nessa jornada sócios competentes em suas áreas, que me levaram mais adiante e, recentemente, novos sócios da área da saúde, também envolvidos com a saúde como valor. Para lograr sucesso em qualquer movimento, devemos ter paixão pela causa e, acima disso, criar estratégia pautada pela ética.


Então, você pode afirmar que essas medicações vêm, de fato, fazendo a diferença e melhorando a qualidade de vida dos pacientes?


Sim. Tanto que esse mercado cresce internacionalmente e o interesse pelo estudo em diferentes frentes também vem aumentando. Basta ver os casos de epilepsia refratária, doença que acomete uma parcela significativa da nossa população e que tem sido bem estudada.


Esse tipo de medicamento ainda é muito caro?


Considerando o poder de compra do brasileiro, posso dizer que sim. Entretanto, isso deverá mudar na medida em que tivermos escala e maior competitividade entre os fornecedores desse tipo de medicamento nos mercados nacional e global.


Tudo sobre:
Logo A Tribuna