Antibiótico: só com prescrição médica!

A pandemia aumentou a automedicação, mas o uso errado desse remédio pode ter efeitos indesejados

Por: Cláudia Duarte Cunha  -  17/04/22  -  17:31
“Quando usamos antibióticos em quadros virais, causamos um desequilíbrio no corpo todo”
“Quando usamos antibióticos em quadros virais, causamos um desequilíbrio no corpo todo”   Foto: Adobe Stock

Antibiótico mata bactérias e não destrói vírus. Portanto, nada de tomar por conta própria. E muito menos dar ao seu filho sem a recomendação do médico. Em excesso ou quando usado em casos virais, por exemplo, pode levar ao surgimento de superbactérias, que ficam resistentes ao uso indiscriminado do medicamento, além de outras complicações na saúde. O médico pediatra André Laranjeira de Carvalho, do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, explica mais sobre o assunto.


Bactérias resistentes
A automedicação pode deixar as bactérias mais resistentes. Há estudos mostrando isso a partir de análises de bactérias de redes de esgoto, porque os metabólitos dos antibióticos são eliminados pelos resíduos de esgotos e permanecem no meio ambiente, selecionando bactérias resistentes. “E quando usamos antibióticos em quadros virais, causamos desequilíbrio da microbiota do corpo todo, incluindo as vias respiratórias, intestinos e pele. Isso altera a colonização natural do organismo e permite que outras bactérias se desenvolvam. É o que chamamos de disbiose, desequilíbrio associado a diversas doenças metabólicas e alérgicas, como dermatite atópica”, diz o médico.


Dose e horários certos
Os antibióticos têm diferentes mecanismos de ação e várias maneiras de serem eliminados do corpo. Há os que demoram mais e os eliminados mais rapidamente. Essas diferenças determinam se podem ser tomados, por exemplo, uma vez por dia ou a cada seis horas. E isso influencia na concentração necessária para que a bactéria seja destruída. “Cada uma possui o seu nível de resistência. Então, a bactéria que causa dor de garganta e a por trás da infecção de urina serão tratadas de jeitos distintos”.


Houve aumento na automedicação e no uso indiscriminado de antibióticos, principalmente em crianças com quadros virais?
Sim, com certeza, ainda mais durante os últimos dois anos. Com a pandemia, muitas pessoas escolheram a automedicação para tratamento de sintomas inespecíficos, como tosse, febre, dor de garganta, coriza e espirros, que são comuns em várias doenças virais, como gripes, resfriados e a própria covid. Isso não é um problema novo, mas foi agravado nos últimos anos. Talvez por informações obtidas pela internet ou com algum parente, amigo...


Como explica a necessidade que muita gente tem de tomar antibiótico?
Os quadros virais, por terem tempo de evolução entre 10 e 14 dias, podem causar grande ansiedade na família. Ainda mais porque a criança não pode frequentar a escola ou creche e não consegue nem deixa a família dormir direito pelos sintomas de congestão. Os pais, portanto, acabam fazendo pressão no pediatra com a pretensão de que tudo seja resolvido de modo rápido e a rotina da família logo volte ao normal. Mas, nos quadros em que o paciente não tem doença bacteriana, ele vai melhorar independentemente do uso de antibióticos.


E como saber se a doença é viral ou bacteriana?
O médico, na consulta, consegue firmar o diagnóstico de doença viral por meio da anamnese (que é a história clínica contada pelo paciente ou pelos pais da criança) e do exame físico. Se for necessário, alguns exames laboratoriais ou radiológicos vão ajudar a fechar o diagnóstico.


Quais os sinais que caracterizam um quadro viral?
Ele apresenta sintomas variáveis, mas geralmente são de início abrupto, ou seja, a febre ocorre nos primeiros dias da doença, com o surgimento de outros sinais, como mal-estar, irritabilidade, tosse, coriza, dor de barriga, diarreia, entre outros. Nesse caso, os sintomas acometem vários órgãos e sistemas. No entanto, com o exame físico, o médico consegue determinar se tem algum local no corpo que se destaca e indique doença bacteriana, como otites, pneumonias, faringoamigdalites. Se, mesmo assim, a situação não é conclusiva, seguimos com os exames. Hoje, um dos mais confiáveis para confirmação de diagnóstico viral, e que se disseminou em vários serviços de saúde depois da pandemia, é o teste por PCR. É o melhor exame para identificar doenças virais.


Muita gente ainda acha que o antibiótico ajuda em quase todas doenças?
Sim! Existem famílias que estão acostumadas a usar antibióticos em diversas situações e isso causa a impressão de que o problema só se resolve dessa forma. Também diante de uma febre mais alta, por exemplo, muitos pais solicitam ao pediatra que seja prescrito antibiótico, como se fosse um recurso que solucionará aquilo.


Alguns quadros virais têm uma melhora, de fato, com o uso de antibiótico ou geralmente a boa evolução vem de uma coincidência com o ciclo do vírus?
Todos os quadros virais têm um tempo de evolução, com começo, meio e fim do ciclo do vírus em cerca de 10 a 14 dias. Alguns vírus cumprem seu ciclo de 7 a 10 dias. Então, existe uma impressão de que o antibiótico “corta” a febre, mas, na realidade, a temperatura iria ceder independentemente de seu uso.


Nesta fase de pandemia, muito se falou no efeito imunomodulador da azitromicina, principalmente nos casos de covid, que também é um quadro viral. A azitromicina realmente melhora o sistema imunológico e tem um papel que evita complicações respiratórias?
Ela faz parte de um grupo de medicamentos chamados macrolídeos, que combatem infecções bacterianas intracelulares. E entre os seus efeitos estão a inibição da síntese, a secreção de substâncias pró-inflamatórias e o aumento das substâncias anti-inflamatórias. Por causa desse efeito, existe uma crença de que seria um bom medicamento para tratar vírus. Mas todos os estudos clínicos bem desenhados e com bom número de participantes não comprovam que, na prática médica, essa ação seja útil para combater vírus ou reduzir o tempo da doença. No entanto, em algumas doenças pulmonares inflamatórias da infância, como fibrose cística e asma, o efeito anti-inflamatório dos macrolídeos tem sido uma área explorada com pesquisas nos últimos anos.


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