Talento múltiplo: Marcello Melo Jr concilia atuação com a música

Em entrevista exclusiva à AT Revista, Marcello relembra a vida no Vidigal e diz que demorou para crer no seu potencial

Por: Stevens Standke  -  19/09/21  -  10:48
 Marcello Melo Jr concilia a preparação para a segunda temporada de Arcanjo Renegado com a música. Ele relembra a vida no Vidigal e diz que demorou para crer no seu potencial
Marcello Melo Jr concilia a preparação para a segunda temporada de Arcanjo Renegado com a música. Ele relembra a vida no Vidigal e diz que demorou para crer no seu potencial   Foto: Divulgação

Quem vê Marcello Melo Jr brilhando ao interpretar personagens como o Mikhael, protagonista da série Arcanjo Renegado, do Globoplay, não imagina que até pouco tempo atrás o ator achava que não era bom o suficiente, que não tinha o talento necessário para dar certo na carreira. Mas, com muito empenho, Marcello não só se destacou na televisão e no cinema como passou a conquistar o seu espaço na música. Com o isolamento social, por causa da pandemia, o fluminense de 33 anos, que estava acostumado a participar de bandas, decidiu focar em trabalhos solos, com composições próprias de rap. Resultado: lançou o seu primeiro álbum no ano passado e, no próximo mês – quando também começa a gravar a segunda temporada de Arcanjo Renegado –, vai colocar no mercado o seu mais novo EP, Nunca Foi Sorte, que já teve algumas faixas liberadas, entre elas o single Deixa Ela Passar, parceria com Vitin, vocalista da banda Onze:20.


Na entrevista a seguir, Marcello, além de relembrar a infância e a adolescência na favela do Vidigal, no Rio de Janeiro, fala da paixão por moda e grafite e da filha, Maya, de 1 ano, fruto do relacionamento com a atriz e psicóloga Dayane Bartoli.


Série

O que nós podemos esperar da segunda temporada de Arcanjo Renegado?

Ela terá um ponto de vista diferente. Enquanto a primeira temporada tratava bastante de questões policiais e militares, agora, como o Mikhael, o meu personagem, sai do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais), os episódios vão abordar mais as questões pessoais, referentes à família, ao autoconhecimento... A nova temporada também terá o maior elenco que já se viu com personagens negros em posições de destaque na trama. E o número de cenas de ação vai aumentar, de cerca de 60 para 144. Outro aspecto bacana de Arcanjo Renegado é que rodamos o seriado com pessoas da comunidade, ex-traficantes e policiais de verdade.


As gravações já começaram?

Elas iniciam em outubro e vão até dezembro. Era para termos gravado os episódios da segunda temporada no ano passado, para estrearem agora, mas, com a pandemia, tivemos de adiar tudo. A equipe está numa expectativa bem grande, porque a primeira temporada foi um sucesso. Os novos episódios já estão muito bons no papel. Quando fomos rodá-los, devem ficar ainda melhores, pois o que não falta é vontade de fazê-los.


Álbum

Você aproveitou o período de isolamento social para investir na sua carreira solo na música?

Sim, me dediquei para valer e acabou sendo um processo de criação muito intenso. Faz um ano que lancei o meu primeiro álbum solo, Vagabundo Também Sente Amor. E o meu novo EP, Nunca Foi Sorte, vai sair agora, em outubro. Antes disso, fiz parte da banda Melanina Carioca por cinco anos. Deixei o grupo por conta de agenda, por não conseguir conciliar as gravações de filmes, séries e novelas com os shows. Estava ficando muito pesado, desgastante. Aí montei com o (ator e músico) Bernardo Mesquita o projeto Dois em Um. Foi quando entendi que eu era um artista que gosta de compor o seu próprio material.


Já era de escrever músicas?

Eu faço isso desde criança. O que faltava era tirá-las do papel. Estava com um monte de letras escritas e precisava produzi-las, para abrir espaço na minha mente para criar mais material. Foi exatamente o que aconteceu.


Autoconfiança

Quais são as memórias mais marcantes do tempo em que viveu no Vidigal?

O Vidigal é uma comunidade que tem uma luz artística muito grande. Nomes como Marília Pêra e Stepan Nercessian já moraram naquela área, por ela ser no centro da Zona Sul do Rio de Janeiro. Sem falar que, com o tempo, a imagem do Vidigal teve uma ascensão, não por conta do tráfico, mas das pessoas que vieram de lá e se tornaram artistas respeitados. Só que não deixa de ser uma região de desigualdade social radical, porque o Vidigal fica entre o Leblon e São Conrado, dois dos metros quadrados mais caros da cidade.


 “Sou muito intrometido. Quando me envolvo com algo, gosto de me dedicar de verdade”
“Sou muito intrometido. Quando me envolvo com algo, gosto de me dedicar de verdade”   Foto: Divulgação

O que teve de superar para chegar aonde está?

Um pouco da minha insegurança, da minha falta de autoconfiança. Afinal, venho de um lugar onde as pessoas não têm muito a expectativa de que vão dar certo na vida. Como entrei no Grupo
deTeatro Nós do Morro, fui bastante incentivado a estudar, tentar crescer e exercitar o que tenho para colocar para fora. Eu era uma pessoa que não se achava boa e talentosa o suficiente e, justamente por isso, procurava me dedicar mais do que os outros a tudo o que fazia. Isso foi fundamental para ter mais segurança.


E quando teve certeza de que realmente devia seguir o caminho da arte?

Foi em Lado a Lado, minha quarta novela. Por mais que eu já tivesse feito Viver a Vida, A Vida da Gente e Malhação – trabalho em que comecei no elenco geral e, em três meses, me tornei um dos protagonistas –, em Lado a Lado houve uma virada de chave muito grande. Lembro que um dia eu estava tendo dificuldade com um texto e pedi ajuda para o Lázaro Ramos. Um tempo depois, ele veio elogiar as minhas cenas. E eu disse: “Esse é o primeiro trabalho em que me vejo como um ator consciente e confiante”. Lado a Lado foi um divisor de águas na minha carreira.


Inspiração

O seu pai também é artista, não é mesmo?

Sim. E ele é a minha fonte principal de inspiração. Foi a primeira pessoa que vi num palco atuando. Achei aquilo uma loucura, foi amor à primeira vista. Eu nasci em Nova Iguaçu e fui criado no Vidigal, pois o meu pai começou a fazer faculdade na Zona Sul, conheceu o Nós do Morro e, em seguida, eu, ele, a minha mãe e o meu irmão fomos morar no Vidigal.


Quais foram os maiores aprendizados que teve com o seu pai?

Que todo mundo na vida tem uma missão e que as coisas não são fáceis, mas, em algum momento, vamos entender o motivo de termos que passar por uma dor, por uma frustração e até por uma conquista. O meu pai sempre foi muito empenhado. Ele era músico, aí virou poeta, ator, diretor, produtor, roteirista. Tudo isso sem ter referências artísticas em casa. Eu e ele somos os primeiros da família a viver completamente da arte. No meu segundo EP, inclusive, contei com as participações do meu pai e da minha irmã.


E você foi pai no ano passado...

Olha, se tem algo que eu nasci para ser é pai. Já fazia um tempo que queria ter um filho. Quando a Maya nasceu, me senti realizado. Por mais que o mundo esteja do jeito que está, eu não tenho medo; a minha filha me faz crer que o mundo pode melhorar.


Conexão

O que veio primeiro: a interpretação ou a música?

As coisas se confundem bastante no meu caso. Eu sempre escrevi músicas desde pequeno, não com a intenção de um dia ter uma carreira e, sim, por querer cantar, compartilhar algo que gostava de fazer com as pessoas à minha volta. A interpretação também funcionava meio assim. Eu era o cara que, nas festas de família, chamava os primos para montar uma apresentação para o pessoal. Aí, no Nós do Morro, explorei várias vertentes do universo artístico em aulas de interpretação, balé, desenho, artes plásticas, cinema. O que aconteceu primeiro foi a carreira de ator. Quanto à música, antes do Melanina Carioca, eu já tinha tido quatro bandas. Uma delas com o Thiago Martins, quando a gente ainda fazia teatro junto. Agora, estou escrevendo faixas para a trilha sonora da segunda temporada do Arcanjo Renegado. Sou o tipo de pessoa que acorda ouvindo música e escuta música o dia inteiro.


Tem algum projeto em vista no cinema?

Recebi convite para um novo filme, mas não é para agora. A pandemia fez com que a gente atrasasse os projetos. Para você ter ideia, já rodamos o Tô Ryca! 2 e ainda não sabemos quando ele será lançado.


Coleção

S
ente vontade de investir novamente na moda?

Já assinei com amigos uma coleção de camisetas, bonés e óculos. Sou muito intrometido, hiperativo, expressivo, alegre e aberto às coisas. E quando me envolvo com algo, gosto de me dedicar de verdade aquilo. Tanto que participei da escolha das estampas das camisetas, desenhei bonés... Recentemente, eu e esses meus amigos conversamos sobre retomar a coleção. Tenho vontade de fazer isso, só que, neste momento, não estou com o tempo necessário para poder me comprometer, me empenhar à elaboração dos produtos como gostaria. Por isso, preferi não entrar nesse projeto agora, senão ia acabar me sentindo culpado, por não conseguir me envolver direito com a coleção.


Você tem alguma outra paixão?

Gosto de pintar e desenhar. Esporadicamente produzo alguns grafites. Há pouco tempo, fiz a parede de uma rua durante uma madrugada e foi terapêutico. Também curto me aventurar, de vez em quando, como DJ.


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