Quem vê Marcello Melo Jr brilhando ao interpretar personagens como o Mikhael, protagonista da série Arcanjo Renegado, do Globoplay, não imagina que até pouco tempo atrás o ator achava que não era bom o suficiente, que não tinha o talento necessário para dar certo na carreira. Mas, com muito empenho, Marcello não só se destacou na televisão e no cinema como passou a conquistar o seu espaço na música. Com o isolamento social, por causa da pandemia, o fluminense de 33 anos, que estava acostumado a participar de bandas, decidiu focar em trabalhos solos, com composições próprias de rap. Resultado: lançou o seu primeiro álbum no ano passado e, no próximo mês – quando também começa a gravar a segunda temporada de Arcanjo Renegado –, vai colocar no mercado o seu mais novo EP, Nunca Foi Sorte, que já teve algumas faixas liberadas, entre elas o single Deixa Ela Passar, parceria com Vitin, vocalista da banda Onze:20.
Na entrevista a seguir, Marcello, além de relembrar a infância e a adolescência na favela do Vidigal, no Rio de Janeiro, fala da paixão por moda e grafite e da filha, Maya, de 1 ano, fruto do relacionamento com a atriz e psicóloga Dayane Bartoli.
Série
O que nós podemos esperar da segunda temporada de Arcanjo Renegado?
Ela terá um ponto de vista diferente. Enquanto a primeira temporada tratava bastante de questões policiais e militares, agora, como o Mikhael, o meu personagem, sai do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais), os episódios vão abordar mais as questões pessoais, referentes à família, ao autoconhecimento... A nova temporada também terá o maior elenco que já se viu com personagens negros em posições de destaque na trama. E o número de cenas de ação vai aumentar, de cerca de 60 para 144. Outro aspecto bacana de Arcanjo Renegado é que rodamos o seriado com pessoas da comunidade, ex-traficantes e policiais de verdade.
As gravações já começaram?
Elas iniciam em outubro e vão até dezembro. Era para termos gravado os episódios da segunda temporada no ano passado, para estrearem agora, mas, com a pandemia, tivemos de adiar tudo. A equipe está numa expectativa bem grande, porque a primeira temporada foi um sucesso. Os novos episódios já estão muito bons no papel. Quando fomos rodá-los, devem ficar ainda melhores, pois o que não falta é vontade de fazê-los.
Álbum
Você aproveitou o período de isolamento social para investir na sua carreira solo na música?
Sim, me dediquei para valer e acabou sendo um processo de criação muito intenso. Faz um ano que lancei o meu primeiro álbum solo, Vagabundo Também Sente Amor. E o meu novo EP, Nunca Foi Sorte, vai sair agora, em outubro. Antes disso, fiz parte da banda Melanina Carioca por cinco anos. Deixei o grupo por conta de agenda, por não conseguir conciliar as gravações de filmes, séries e novelas com os shows. Estava ficando muito pesado, desgastante. Aí montei com o (ator e músico) Bernardo Mesquita o projeto Dois em Um. Foi quando entendi que eu era um artista que gosta de compor o seu próprio material.
Já era de escrever músicas?
Eu faço isso desde criança. O que faltava era tirá-las do papel. Estava com um monte de letras escritas e precisava produzi-las, para abrir espaço na minha mente para criar mais material. Foi exatamente o que aconteceu.
Autoconfiança
Quais são as memórias mais marcantes do tempo em que viveu no Vidigal?
O Vidigal é uma comunidade que tem uma luz artística muito grande. Nomes como Marília Pêra e Stepan Nercessian já moraram naquela área, por ela ser no centro da Zona Sul do Rio de Janeiro. Sem falar que, com o tempo, a imagem do Vidigal teve uma ascensão, não por conta do tráfico, mas das pessoas que vieram de lá e se tornaram artistas respeitados. Só que não deixa de ser uma região de desigualdade social radical, porque o Vidigal fica entre o Leblon e São Conrado, dois dos metros quadrados mais caros da cidade.
O que teve de superar para chegar aonde está?
Um pouco da minha insegurança, da minha falta de autoconfiança. Afinal, venho de um lugar onde as pessoas não têm muito a expectativa de que vão dar certo na vida. Como entrei no GrupodeTeatro Nós do Morro, fui bastante incentivado a estudar, tentar crescer e exercitar o que tenho para colocar para fora. Eu era uma pessoa que não se achava boa e talentosa o suficiente e, justamente por isso, procurava me dedicar mais do que os outros a tudo o que fazia. Isso foi fundamental para ter mais segurança.
E quando teve certeza de que realmente devia seguir o caminho da arte?
Foi em Lado a Lado, minha quarta novela. Por mais que eu já tivesse feito Viver a Vida, A Vida da Gente e Malhação – trabalho em que comecei no elenco geral e, em três meses, me tornei um dos protagonistas –, em Lado a Lado houve uma virada de chave muito grande. Lembro que um dia eu estava tendo dificuldade com um texto e pedi ajuda para o Lázaro Ramos. Um tempo depois, ele veio elogiar as minhas cenas. E eu disse: “Esse é o primeiro trabalho em que me vejo como um ator consciente e confiante”. Lado a Lado foi um divisor de águas na minha carreira.
Inspiração
O seu pai também é artista, não é mesmo?
Sim. E ele é a minha fonte principal de inspiração. Foi a primeira pessoa que vi num palco atuando. Achei aquilo uma loucura, foi amor à primeira vista. Eu nasci em Nova Iguaçu e fui criado no Vidigal, pois o meu pai começou a fazer faculdade na Zona Sul, conheceu o Nós do Morro e, em seguida, eu, ele, a minha mãe e o meu irmão fomos morar no Vidigal.
Quais foram os maiores aprendizados que teve com o seu pai?
Que todo mundo na vida tem uma missão e que as coisas não são fáceis, mas, em algum momento, vamos entender o motivo de termos que passar por uma dor, por uma frustração e até por uma conquista. O meu pai sempre foi muito empenhado. Ele era músico, aí virou poeta, ator, diretor, produtor, roteirista. Tudo isso sem ter referências artísticas em casa. Eu e ele somos os primeiros da família a viver completamente da arte. No meu segundo EP, inclusive, contei com as participações do meu pai e da minha irmã.
E você foi pai no ano passado...
Olha, se tem algo que eu nasci para ser é pai. Já fazia um tempo que queria ter um filho. Quando a Maya nasceu, me senti realizado. Por mais que o mundo esteja do jeito que está, eu não tenho medo; a minha filha me faz crer que o mundo pode melhorar.
Conexão
O que veio primeiro: a interpretação ou a música?
As coisas se confundem bastante no meu caso. Eu sempre escrevi músicas desde pequeno, não com a intenção de um dia ter uma carreira e, sim, por querer cantar, compartilhar algo que gostava de fazer com as pessoas à minha volta. A interpretação também funcionava meio assim. Eu era o cara que, nas festas de família, chamava os primos para montar uma apresentação para o pessoal. Aí, no Nós do Morro, explorei várias vertentes do universo artístico em aulas de interpretação, balé, desenho, artes plásticas, cinema. O que aconteceu primeiro foi a carreira de ator. Quanto à música, antes do Melanina Carioca, eu já tinha tido quatro bandas. Uma delas com o Thiago Martins, quando a gente ainda fazia teatro junto. Agora, estou escrevendo faixas para a trilha sonora da segunda temporada do Arcanjo Renegado. Sou o tipo de pessoa que acorda ouvindo música e escuta música o dia inteiro.
Tem algum projeto em vista no cinema?
Recebi convite para um novo filme, mas não é para agora. A pandemia fez com que a gente atrasasse os projetos. Para você ter ideia, já rodamos o Tô Ryca! 2 e ainda não sabemos quando ele será lançado.
Coleção
Sente vontade de investir novamente na moda?
Já assinei com amigos uma coleção de camisetas, bonés e óculos. Sou muito intrometido, hiperativo, expressivo, alegre e aberto às coisas. E quando me envolvo com algo, gosto de me dedicar de verdade aquilo. Tanto que participei da escolha das estampas das camisetas, desenhei bonés... Recentemente, eu e esses meus amigos conversamos sobre retomar a coleção. Tenho vontade de fazer isso, só que, neste momento, não estou com o tempo necessário para poder me comprometer, me empenhar à elaboração dos produtos como gostaria. Por isso, preferi não entrar nesse projeto agora, senão ia acabar me sentindo culpado, por não conseguir me envolver direito com a coleção.
Você tem alguma outra paixão?
Gosto de pintar e desenhar. Esporadicamente produzo alguns grafites. Há pouco tempo, fiz a parede de uma rua durante uma madrugada e foi terapêutico. Também curto me aventurar, de vez em quando, como DJ.