Marcelo Bonfá compartilha memórias do Legião Urbana e fala de seus projetos

Músico lança seu sexto álbum solo, conciliando a carreira com a produção de cachaça e a construção de casas

Por: Stevens Standke  -  14/11/21  -  10:03
 Marcelo Bonfá lança seu sexto álbum solo. A seguir, conta como concilia a carreira com a produção de cachaça e a construção de casas e compartilha memórias do Legião Urbana
Marcelo Bonfá lança seu sexto álbum solo. A seguir, conta como concilia a carreira com a produção de cachaça e a construção de casas e compartilha memórias do Legião Urbana   Foto: Reprodução

Até hoje, Marcelo Bonfá produz músicas da mesma forma como fazia quando fundou com Renato Russo o Legião Urbana. Ou seja, primeiro trabalha nas melodias para aí sim escrever as letras. E o período de pandemia foi bem produtivo para o baterista, compositor e cantor, que reuniu o material que criou nestes quase dois anos no álbum Improvável Certeza, o sexto da sua carreira solo.


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Em paralelo à música, Marcelo gosta de desenhar, fabricar a cachaça orgânica Perfeição Premium – que ganhou prêmio na Bélgica – e projetar e construir casas. Louco pela natureza, o paulista de 56 anos se divide entre as cabanas que tem, em meio ao verde, em Minas Gerais e na Bahia. “Eu tenho o maior carinho por Santos. Vivi grandes momentos na Cidade. Me amarro na pegada rock and roll que existe no Município”, diz.

Na entrevista a seguir, Marcelo fala, entre outros assuntos, sobre a parceria musical com o filho, o guitarrista João Pedro, e o desfecho da disputa judicial envolvendo a marca Legião Urbana e o repertório da banda.


Processo

Seu mais novo álbum, Improvável Certeza, foi totalmente produzido durante a pandemia?

Sim. Ao longo destes quase dois anos, eu fui juntando o material que produzia nas duas cabanas que tenho na mata, uma em Minas Gerais e a outra na Bahia. Afinal, adoro o contato com a natureza. Mas a última coisa que eu costumo fazer é a letra. Primeiro trabalho timbres e sonoridades, e me deixo induzir por eles até ter a melodia. De modo que, quando escrevo a letra, ela traduz aquele universo sonoro que criei. Neste ano, em abril, fui para o Rio de Janeiro organizar todas as faixas que eu tinha preparado durante a pandemia. Terminei o álbum em três meses. Fiquei surpreso com a velocidade do processo.


Que mensagem você quer transmitir com esse trabalho?

Tirei o nome do projeto da letra de uma das últimas músicas que eu compus. Para mim, improvável certeza são as coisas em que cremos e que estão no âmbito da espiritualidade. No disco, falo da importância de acreditar em si mesmo e de valorizar a sua individualidade. Eu não sigo nenhuma religião, mas acho que estamos neste planeta para refinar a nossa alma e a nossa energia, para, assim, entrarmos num fluxo de harmonia. Ao meu ver, tudo tem uma razão de ser.


Voz

Originalmente, você é baterista, só que a decisão de seguir carreira solo fez com que tivesse de cantar. Isso, a princípio, foi uma questão?

Produzi meu primeiro álbum solo em 1999; o Legião Urbana já não existia desde 1996. A minha ideia era fazer um trabalho totalmente sonoro. Mas, durante o processo, acabei criando vocais para as canções. Foi algo que veio naturalmente, por estar acostumado com a dinâmica de uma banda de rock. Eu nunca tinha cantado no Legião Urbana, só que, com a carreira solo, fui descobrindo que gosto de cantar e, aos poucos, melhorei nesse sentido. Se você observar, dentro de uma banda, cada integrante tem um perfil bem característico. Todos os guitarristas são iguais. O mesmo pode ser dito dos baixistas e bateristas.


E o que caracteriza um baterista?

Geralmente o baterista é o mais maluco e recluso da banda. Eu sempre gostei de ficar na minha, pois sou bastante tímido. Quando comecei a fazer shows sozinho, descobri que conseguia tocar bateria e cantar junto, algo que é meio incomum na música. Me sinto mais à vontade assim do que quando tenho de ficar apenas cantando no palco. Também descobri que canto melhor as canções do Legião Urbana do que as que lancei em carreira solo.


Insubstituível

Quais são as memórias que guarda da convivência com o Renato Russo?

Eu, na bateria, e o Renato, no baixo, éramos a cozinha da banda. O Legião Urbana foi para frente porque eu sabia exatamente quais eram os gostos do Renato e ele sabia qual era a minha intenção ao fazer música. E foi por isso que ele me chamou para montar a banda. Todas as canções surgiam numa onda meio de mantra, a partir das melodias que eu e o Renato preparávamos com o baixo e com a bateria. Aí, quando o Dado (Villa-Lobos) passou a integrar o Legião, ele entrou nesse ritmo. O Renato tecia as letras, no caderninho dele, em cima das melodias que criávamos. Continuo adotando essa dinâmica até hoje para fazer música.


O que sente ao ver o legado do Legião Urbana ganhar o cinema, enfim, ir além da música?

A gente criou a banda em Brasília por causa do movimento punk, que foi uma explosão juvenil que aconteceu em todas as capitais do mundo entre as décadas de 70 e 80 para mostrar a insatisfação da nossa geração com a falta de oportunidades que existia na época. As pessoas diziam que o Legião era politizado, por causa das letras do Renato. Fui seu primeiro fã, quando ele ainda estava no Aborto Elétrico, que era uma banda tão barulhenta que não dava para ouvir direito o que era cantado. O mais legal é ver como as letras do Renato impactam as pessoas até hoje. Ele escrevia oráculos, com os quais todo mundo se identificava. Parecia até que a música tinha sido feita para você. A internet colabora para as gerações mais novas conhecerem o Legião. A disputa judicial (encerrada em junho, de Marcelo e Dado com Giuliano Manfredini – filho de Renato Russo – pelo direito de uso da marca e do repertório do Legião Urbana) também estimulou o público mais jovem a ter contato com o trabalho da banda.


Com a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de que você e o Dado podem utilizar a marca Legião Urbana, há, por acaso, algum plano para fazer novos shows com o repertório da banda?

Realmente não pensamos nisso. Os shows que fizemos baseados no legado do Legião Urbana foram pontuais, tinham data para começar e terminar. Em nenhum momento, encaramos esses projetos como um retorno da banda. O Legião acabou em 1996, porque não dá para substituir o Renato. Para mim, sempre foi inconcebível colocar alguém no lugar dele. Sem falar que eu e o Dado saímos meio machucadinhos do processo judicial (que se estendeu por oito anos). Cada um de nós foi para um canto e está numa boa.


Família

Você e o João Pedro, seu filho, têm trabalhado bastante juntos. Como é fazer música com ele?

O João, de certa forma, foi uma surpresa. Com 8, 9 anos, já curtia rock e começou a tocar guitarra cedo. Ele, inclusive, foi estudar em Los Angeles (nos Estados Unidos). Hoje, com 30 e poucos anos, tem uma baita sensibilidade, um trabalho solo e é o meu guitarrista predileto. Sempre o chamo para participar das gravações dos meus álbuns e ele também me convida para os projetos dele. O João ainda integrou a minha banda, numa das minhas turnês. Em contrapartida, o Tiago, filho do meu outro casamento, é mais voltado para o universo corporativo. Tenho uma sorte grande de ter esses meninos como filhos.


Múltiplo

Gosta de desenhar?Sim, curto me expressar das formas mais diferentes. Vou te dizer que, depois que inventaram o iPad Pro, trazendo a canetinha e uma infinidade de ferramentas, passei a gostar ainda mais de desenhar. Eu nasci em Itapira (interior de São Paulo) e me mudei para Brasília aos 10 anos. Na minha cidade natal, eu fazia cursos de desenho e também pintava. No Legião Urbana, o Renato (Russo) me incentivava a produzir desenhos para os encartes dos discos. Aliás, ele resolveu chamar um de nossos álbuns de Música P/ Acampamentos após ver uma imagem que fiz. Eu ainda me interesso por paisagismo, construção e intervenções urbanas. Projetei e construí a minha casa, e monto algumas cabanas, sem finalidade comercial, onde moro.


Fica mais na casa de Minas Gerais ou na da Bahia?

Passo mais tempo na minha propriedade de Minas, que é onde fabrico a minha cachaça artesanal. Possuo esse sítio há 30 anos. Em 1989, notei que um vizinho tinha um canavial e o aproveitava para fazer uma cachaça mais rústica. Quando provei, achei o produto fantástico. Passei, então, a pesquisar o processo de produção de cachaça. Vi que conseguiria produzir uma bebida orgânica, com pegada sustentável. Investi até em equipamentos para montar uma microprodução. Em 2018, a gente ganhou prêmio na Bélgica de melhor cachaça orgânica do planeta. Mas, como dá um baita trabalho comercializar a bebida, desisti de distribui-la. Hoje, vendo apenas para osamigos ou por meio de escambo (risos). Nas minhas propriedades, tenho hortas, que estão começando a dar frutos agora. Planto uva e azeitonas para fazer azeite.


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