Ensino inclusivo defende espaço acolhedor e libertador para LGBTQIA+, diz professor de Santos

No Brasil, mata-se mais pessoas LGBTQIA+ do que em qualquer outro lugar do planeta

Por: Júnior Batista  -  01/08/21  -  09:30
 “Temos que nadar contra a maré, porque o Brasil ainda é muito LGBTfóbico”, reforça o educador
“Temos que nadar contra a maré, porque o Brasil ainda é muito LGBTfóbico”, reforça o educador   Foto: Alexsander Ferraz/AT

A presença em qualquer sala de aula do educador Lucas Onofre, que ensina Língua Portuguesa na UME Professor Avelino da Paz Vieira, em Santos, é por si só um avanço quando se trata de diversidade nos colégios. Por ele ser gay, o fato de estar no ambiente escolar faz com que se ensine não só Gramática e Literatura, mas também a vivência de uma pessoa LGBTQIA+ e todas as questões de diversidade sexual e de gênero que envolvem quem pertence a alguma dessas siglas.


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“Temos que nadar contra a maré, porque o Brasil ainda é muito LGBTfóbico”, reforça o educador. Vale lembrar que, no País, mata-se mais pessoas LGBTQIA+ do que em qualquer outro lugar do planeta. E quando se fala em pessoas transgêneros, a sua expectativa de vida é de apenas 35 anos.


Essas questões, segundo Lucas Onofre, têm que começar a ser abordadas no colégio, onde o estudante deve se sentir livre para ser quem é. No entanto, de acordo com o professor, o ambiente escolar ainda é conservador. “Quantos alunos são gays, bi ou se identificam como transexuais... Somos muito atrasados nesse sentido. A escola ainda é tradicional nesse aspecto e alguns profissionais acham que tem que esperar o estudante crescer ou falar do assunto em casa. Mas, no lar, muitas vezes o pai bate, então esse aluno vai buscar refúgio na escola. Ele tem que se sentir à vontade lá, ver que pode conversar e falar o que pensa”.


Para a diretora do Liceu São Paulo, Regina Claudia Fuschini, assumir a própria sexualidade não é algo simples, mas o colégio tem o dever de acolher esse estudante. “Os profissionais da Educação devem compreender as questões da sexualidade e servir como pontos de apoio aos alunos que possam estar vivendo situações que mereçam atenção especial. Eles precisam estar abertos a ouvir e oferecer espaço para os estudantes que necessitam comunicar algo indesejado na escola”.


Junho foi o Mês do Orgulho LGBTQIA+. Em paralelo a essa data, Onofre tenta promover, no cotidiano escolar, ações de diversidade que incluem não só essas pautas, mas também o machismo, o racismo e a violência contra a mulher. A última delas foi incluir o lambe-lambe (técnica artística urbana) na sua oficina de linguagens artísticas.


Nessa atividade, os alunos tiveram de elaborar frases e o trabalho foi exposto numa parede na parte externa da escola. E o professor se surpreendeu com o resultado: “Era para escreverem sobre respeito, empoderamento; falar das mulheres, da população LGBTQIA+, dos negros, trans, lésbicas, bissexuais. Me surpreendi ao ler frases como ‘amor não tem rótulos’, ‘respeite a diversidade’, ‘amor não tem preconceito’”.


O professor de Geografia Evandro César dos Santos, do Colégio do Carmo, diz que, após um episódio de ofensa contra um adolescente LGBTQIA+, resolveu promover uma roda de conversa. Já existe na instituição de ensino um Laboratório de Inteligência de Vida para assuntos do dia a dia, promovido pelo educador, mas essa questão teve abordagem especial. “Trouxemos uma professora LGBTQIA+, um homossexual, um heterossexual, um psicólogo, educadores de Sociologia e Ciências para tratar das diversas facetas, do social ao biológico. Tudo com liberdade para os alunos falarem sobre as diferenças e o respeito”.


Saindo da caixinha


Lucas Onofre diz que a própria instituição de ensino pode atrapalhar a diversidade dentro do ambiente escolar. “A escola deve ser um espaço de diversidade. Mas há quem não concorda com isso, que acha errado e se comporta de modo conservador”.


Na visão do diretor acadêmico da Escola Técnica Estadual Ruth Cardoso, Lucas Magalhães, é preciso ressaltar as diferenças. “Não podemos olhar para o outro tendo como base o que somos ou acreditamos como correto”, diz.


De acordo com Lucas Onofre, das disposições das cadeiras à forma de ensinar, são poucos os professores que “saem da caixinha, das fórmulas e falam do dia a dia. O aluno é um ser humano, ele precisa de experiências e vivências”.


Transexualidade em pauta


Vênuz Capel, de 22 anos, é trans não binárie, fundadore do projeto cultural Transceda, com Raphaella Gomez, sue namorade. Ex-alune da Escola Técnica Estadual, fundou o Transceda, movimento que promove a democratização da cultura, saúde e educação a esse público.


“O acesso para pessoas trans na Baixada Santista ainda é muito restrito. Nós queremos facilitar isso, capacitando-as e com ações afirmativas”. Entre as iniciativas do projeto estão entregas de kits de higiene, alimentação, oficinas e cursos.


A educação, na opinião de Vênuz Capel, é a única arma para lutar contra um número assustador: 95% das pessoas trans não concluem o Ensino Médio por medo do ambiente escolar. “É muito importante falar sobre Educação, porque eu deixei o Ensino Médio pela transfobia, pela falta de acesso e profissionais preparados para lidar com questões como essa”.


Vênuz ressalta que a ajuda das pessoas cisgêneros (aquelas que se identificam com os seus corpos, como nasceram) é necessária. “São os cisgêneros aliados que vão aos locais e literalmente puxam pessoas trans para eles, pois existe uma barreira entre uma pessoa trans falando para uma cis que não existe entre duas cis”.


Vênuz encerra com um recado importante: “Não foi a gente que criou a transfobia, foram as pessoas cisgêneras, então esse também é problema delas”.


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