Confira roteiros em Ilha Grande para se conectar com a natureza

A experiência de se conectar em expedição pela cidade do estado do Rio de Janeiro muda a pessoa

Por: Alcione Herzog  -  18/07/21  -  16:11
  Expedição Volta a Ilha Grande (RJ) tem 75km de extensão
Expedição Volta a Ilha Grande (RJ) tem 75km de extensão   Foto: Alcione Herzog e Picasso Freitas/Divulgação

Feche os olhos e imagine a cena: árvores e folhagens por todo lado. Do alto, a luz penetra entre os vários tons de verde e chega a uma fonte límpida, produzindo reflexos solares que dançam ao ritmo tremulante da corrente de água. O som ambiente denuncia uma cachoeira próxima. Possivelmente, estamos sendo acompanhados por olhares curiosos de tiês-sangue, saguis e talvez bugios. Está ouvindo a sinfonia de cantos misturada aos ruídos dos seus passos sobre as folhas secas?


Clique e Assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe acesso completo ao Portal e dezenas de descontos em lojas, restaurantes e serviços!


Seu corpo em movimento traz os agradáveis sintomas provocados pela endorfina. Uma mistura de sensações parecidas acompanhará aqueles que, como esta repórter, decidirem se aventurar por uma experiência transformadora em plena conexão com a natureza. Falo da Expedição Volta a Ilha Grande (RJ), que realizei durante seis dias, por 75 Km de paisagens paradisíacas e desafiadoras.


Coloque sua bota, encha o seu cantil de água e carregue a mochila com suprimentos para trekking. Vamos juntos nessa aventura?


Dia 1


Nossa viagem começou às 7h30. Partimos da Vila de Abraão com destino à Praia de Bananal em um grupo de oito aventureiros, incluindo os dois guias. A proposta era percorrermos 18 Km em sete horas. Nossa previsão de chegar pouco antes do entardecer foi alcançada. Antes, tivemos várias paradas. A primeira nas Ruínas do Lazareto. O antigo hospital de quarentena foi construído em 1871 para receber passageiros enfermos que chegavam ao Brasil.


Em 1954, o então governador do Rio, Carlos Lacerda, mandou demolir o Lazareto com tiros de canhão. Hoje, restam as ruínas da parte subterrânea, algumas colunas e a base do edifício.


Nas ruínas do antigo Aqueduto, construído em 1893 a mando do imperador Dom Pedro II, fizemos um alongamento em meio aos seus arcos gigantes com pedras esculpidas pelos escravos e fixadas com óleo de baleia. Na mesma região, vimos a Cachoeira dos Escravos ou Cachoeira do Poção.


Hora de encarar o primeiro teste de resistência subindo uma trilha íngreme até a Cachoeira da Feiticeira. A mente queria me fazer acreditar que o corpo não daria conta. As dicas de respiração dos guias fizeram toda a diferença.


O esforço foi recompensado por um banho revigorante e uma massagem nos ombros, pela queda d’água de 15 metros. Mais algumas subidas e descidas... O fim da trilha foi a Enseada das Estrelas. Quis parar na praia para um mergulho, mas o almoço já estava à nossa espera em outra praia, acessada por mais uma pequena trilha.


À tarde, o roteiro incluiu trilhas de mata fechada e caminhadas por praias e vilarejos caiçaras. Um lindo pôr do sol nos recepcionou na Enseada do Bananal, onde jantamos e pernoitamos exaustos e animados.


Dia 2


Às 8 horas, após o café da manhã, saímos para este que é considerado o dia mais bonito da expedição em termos de mirantes à beira-mar. Em 17 Km, percorremos um roteiro margeando as comunidades de Matariz, Passaterra (onde paramos para dar um mergulho), Sítio Forte e Tapera. Essa última nos deu de brinde o acesso a uma cachoeira.


No Mirante da Enseada do Sítio do Forte, o que vi foram tons de azul deslumbrantes. Seguimos até a exuberante Lagoa Verde. Para quem gosta de apreciar muitos peixes coloridos em profundidades rasas, esse lugar é um prato cheio.


Mais alguns quilômetros de mata fechada e estávamos em Araçatiba com um pôr-do-sol que parecia uma pintura de tons alaranjados.


Dia 3


Saímos com garoa e a promessa de tempo aberto até o meio do dia. Fomos de barco até a Praia de Itaguassu, onde fica a Gruta do Acaiá, um espaço mágico. É preciso descer por uma fenda com o auxílio de escada e encarando a emoção de fortes ventos de baixo para cima, provocados pelos deslocamentos de ar toda vez que as ondas lá embaixo estouravam nas rochas.


No ponto mais baixo da gruta, a sensação é ímpar. Claustrofóbicos sentem dificuldade para avançar. Quem consegue se deslocar agachado vê um espetáculo: o mar batendo nas rochas com a luz que vem de fora deixando a água azul fosforescente. Para completar o roteiro náutico da manhã, fomos até a Praia dos Meros, onde o acesso é só por barco. Nos costões, mais vida marinha pode ser testemunhada.


A última parada antes do destino final foi em Provetá. Um lanche rápido e fomos para Aventureiro. Lá, pausa para fotos no famoso coqueiro que cresceu formando um ângulo de 90º. Ainda tivemos tempo para subir no Mirante da Espia. Depois de escalar uma imensa rocha por uma escada de cordas, pudemos observar as montanhas que ainda teríamos a desbravar rumo à parte mais virgem da Ilha, onde fica a Reserva Biológica das Praias do Sul e Leste.


Dia 4


Após uma recompensadora noite de sono, conhecemos mais dessa vila de pescadores, onde, como diz o guia, o tempo parece que corre devagar. Lá, energia elétrica só com gerador. Internet vai até 21 horas.


A ideia era ir para a Praia de Parnaioca, mas a natureza provou que controla o roteiro. A maré alta não nos deixou ir com segurança pelos costões rochosos que dão acesso à Praia do Demo.


O jeito foi ficar mais uma noite em Aventureiro, acompanhando a tábua das marés. Nesse meio tempo, fomos até o Mirante da Sundara, acessando uma trilha, em subida, por cerca de 20 minutos. No cume, o visual panorâmico de tirar o fôlego da costa sudoeste da Ilha Grande.


Dia 5


Nosso dia começou às 5 horas.


No costão de acesso à Praia do Demo, estávamos com lanternas de cabeça, mochila nas costas e muita coragem para encarar um dos momentos mais eletrizantes da viagem. O horário respeitou a indicação de maré mais baixa do dia. O problema é que tratava-se de uma parte da Ilha voltada para o oceano e, portanto, com águas bem mais agitadas. O mar, vez ou outra, alcançava o trecho pelo qual teríamos de passar. Precisaríamos ser rápidos e observar muito bem o ritmo das ondas para avançar pelas pedras. Tudo sem tanta iluminação.


Hora de controlar os nervos. Quem disse que era possível? Tombos, arranhões, choros de nervoso e roupas ensopadas foram o saldo da experiência. Muito prazer, Praia do Demo.


Ainda teríamos mais emoções fortes. Em condições normais, o roteiro envolveria mais um trecho pelas rochas à beira-mar. Mas elas estavam submersas naquele dia.


Sempre se deve ter um plano B nas aventuras e o nosso foi uma trilha raramente usada até mesmo pelos guias mais experientes. Ainda estava escuro, mas lá fomos nós. À frente do grupo, um guia abria com facão a vegetação. Ao mesmo tempo, ia marcando nas árvores sinais para o caso de precisarmos achar o caminho de volta.


Tinha chovido a noite toda e o trajeto foi penoso. Usamos cordas em vários momentos. Um passo em falso e uma das participantes caiu. Só vimos as folhagens balançando. Fisicamente ficou tudo bem, mas o susto foi outro grande teste psicológico na turma.


Os primeiros raios de sol já despontavam quando chegamos à Reserva Biológica da Praia do Sul, onde só entra quem consegue autorização dos órgãos ambientais.


Já refeitos dos momentos de adrenalina, conhecemos esse riquíssimo ecossistema. Mesmo munidos de autorização, não é permitido tomar banho no mar ou nas lagoas. No local está o único rio sem intervenção humana do estado do Rio de Janeiro.


Demos a nossa contribuição e recolhemos lixos de vários países, trazidos à praia pelo mar. Andamos por mais uma hora e meia em trilha fechada e chegamos a Parnaioca, outra das mais selvagens e preservadas praias da Ilha.


O número de casas não chega a dez. Não há comércio e um gerador garante energia por poucas horas. Lá é o habitat preferido de bugios, micos, esquilos, pacas, cotias e diversas espécies de pássaros. Flores, árvores frutíferas e rios que despencam encachoeirados montanha abaixo compõem a cena.


Tomamos banho num desses poços e caminhamos pelas amendoeiras que circundam os campings. O local conta com ruínas de antigas fazendas e senzalas, um cemitério centenário e a Igrejinha do Sagrado Coração de Jesus. O pôr-do-sol no mar, as estrelas e as histórias de naufrágios e lendas contadas pelos mais antigos fazem dessa praia um paraíso que tem até verbo: “parnaiocar”.


Dia 6


Depois de uma noite de sono em barraca, o último dia teve como destino a Comunidade de Dois Rios, onde ficam as ruínas da Colônia Correcional – Instituto Penal e Presídio de Segurança Máxima da Ilha Grande. Lá, ficaram presos políticos famosos, como o autor de Vidas Secas, Graciliano Ramos, além do revolucionário comunista Agildo Barata e o imortal Orígenes Lessa. Todos foram perseguidos pelo Governo de Getúlio Vargas.


A Vila de Dois Rios, com suas antigas casas e não mais do que 150 moradores, parece que parou no tempo. A praia é encantadora. As suas areias amarelas têm um quilômetro de extensão e, em cada extremidade, deságua um rio.


Depois do almoço, partimos para a última caminhada da expedição. Foram mais oito quilômetros por estrada de terra que requer fôlego na subida. Passamos pelo Poço dos Soldados e já em clima de despedida fizemos uma parada para a última foto no mirante da Curva da Morte.


De volta à Vila do Abraão, de onde partimos seis dias antes, a certeza era de que chegamos diferentes do que quando iniciamos a jornada. Para o guia Bruno Fernandes, a magia dessa experiência é que, ao longo dos seis dias, conforme progredimos, nos conectamos cada vez mais com a Ilha Grande. “Na medida em que literalmente desconectamos do mundo exterior, dando espaço e tempo para nossa mente respirar, conseguirmos absorver a energia e a paz que só o contato com a natureza oferece”.


É como se a todo o momento a Ilha nos passasse a mensagem de que somos parte dela e que se transformamos o meio ambiente, muitas vezes de formas destrutivas, somos por ele transformados em intensidade muito maior.


É a Mãe Terra quem está no controle sempre, como bem definiu um dos companheiros de expedição, Picasso Freitas. “Seja em silêncio ou por sons, a natureza nos ensina que ela é gigantesca. Por vezes, essa grandiosidade até assusta. Devemos cuidar dos recursos naturais. Ao fazer isso, estaremos cuidando de nós”, comenta.


Na opinião da guia Carla Damasceno, para as mulheres, esses encontros com santuários ecológicos podem ser ainda mais profundos. Nativa da Ilha Grande, ela diz que não somos incentivadas a fazer atividades radicais ou em lugares selvagens. “Geralmente, aquelas que se aventuram o fazem para acompanhar os parceiros. Muitas sentem-se inseguras, achando que vão atrapalhar ou que não vão conseguir. A verdade é que, por natureza, a mulher é pura conexão com a natureza”.


Parece redundância, mas não é. “Trilhar na Ilha Grande é uma oportunidade de viver o potencial e a determinação que todas temos dentro de nós. Nos desafiamos”.


E a gente não se supera o tempo todo? “Não importa o gênero e a idade, é só dar o primeiro passo e começar a se aventurar”, convida Carla.


Logo A Tribuna