'Por trás de cada catador, tem um ser humano', diz presidente de ONG que trabalha com recicláveis

Marcelo Silva, da Sem Fronteira, fala da importância dos profissionais no Dia Internacional da Reciclagem, nesta terça

Por: Anderson Firmino  -  17/05/22  -  17:41
Atualizado em 31/05/22 - 18:27
A valorização passa também pelo preço pago pelo material coletado, que ainda é muito baixo no País
A valorização passa também pelo preço pago pelo material coletado, que ainda é muito baixo no País   Foto: Alexsander Ferraz/AT

Repensar, recriar, reciclar. Mudanças de conceitos que melhoram a vida das pessoas. Ainda falta muito para a sociedade chegar a um patamar aceitável de reaproveitamento de resíduos sólidos. Mas o caminho está posto. O Dia Internacional da Reciclagem, celebrado nesta terça-feira (17), abre espaço para a reflexão.


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Segundo dados do SINS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), o Brasil recicla apenas 2,1% do total de resíduos coletados. De acordo com o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, a expectativa é de que a recuperação de resíduos suba para cerca de 50% em 20 anos. Mais do que números, a reciclagem de resíduos também modifica vidas e revela sonhos.


“Eu trabalhava na área de importação e exportação. E achava que a questão dos catadores era apenas de organização. Então, larguei meu trabalho em São Paulo para vivenciar isso. Descobri que o catador tem várias outras questões pessoais que acabam se juntando. Por trás de cada catador, tem um ser humano. E é preciso tratar tudo isso”, argumenta Marcelo Adriano da Silva, presidente da ONG Sem Fronteira, em Santos, que há 12 anos trabalha com reaproveitamento de resíduos.

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Conscientização
Para ele, ainda existe preconceito sobre o trabalho dos catadores de material reciclável. Olhares tortos fazem parte do cotidiano. Mas, para o presidente da ONG, o resultado do trabalho compensa os eventuais desgastes.


“O que sinto falta, ainda, é a conscientização. O catador deve aparecer mais, pela importância que tem. O papelão, misturado com papel misto (revistas, jornal), vira papel higiênico, por exemplo. Se não pegasse esse papel, ia aumentar o corte de árvores para a produção desse material. Aquela formiguinha, tão pequena, ela é que movimenta a indústria”.


A valorização, no entender dele, passa, também, pelo preço pago pelo material reciclado. O vidro é um exemplo. “Hoje, vendo vidro a R$ 0,08 o quilo. Com esse valor, você não compra nem uma bala. E o vidro é um grande problema. É um material que, para se decompor, leva muito mais anos que os outros. Tem garrafas de vidro que a gente sabe que, para envasar o produto, ele paga uma nota. E, depois de tudo isso, o catador pega oito centavos. Não é justo”.


Lixo


Lixo
Silva reclama, ainda, que muitos resíduos que poderiam servir para reciclagem são descartados, em especial embalagens com restos de alimentos.


“Às vezes, a pessoa diz ‘É só um pouquinho, não tem problema’, e descartam pote de margarina pela metade, pratinho de festa sem nem raspar. Isso tudo é que estraga. Não precisa lavar com sabão, secar, mas tem que separar. E é importante as pessoas se sentirem parte do processo. Se elas estiverem integradas, elas não fazem (as coisas erradas)”. A reciclagem nos conceitos é o primeiro passo.


Trabalho
Entre atividades como prensagem e separação de materiais, o destino de várias pessoas ganhou novos contornos. É quando a vida ganha ares de reciclagem. “Estava desempregada e quase entrando em depressão. Na época da pandemia, vim para cá. É um lugar onde, além de fazer amizade, a gente cria vínculos e, assim, melhora a vida”, relata Débora Elisamara, de 32 anos.


Moradora do Morro do Tetéu, na Zona Noroeste, ela usa os cerca de R$ 400,00 obtidos no trabalho para ajudar em despesas como aluguel e para cuidar da filha de 14 anos. “Você tem direito a uma vida digna. Vai ao mercado, compra algo para o filho, um leite, um pão. Você, agora, tem um objetivo”.


Ronaldo Valentim, morador do Morro do Itararé, em São Vicente, também é grato ao trabalho. O encarregado garante a ajuda em casa, onde mora com a mãe e o irmão.


“Estava havia um tempo desempregado. Para ajudar em casa, catava latinhas na praia. Uma amiga me ajudou e perguntei se ela sabia de alguém que tinha um espaço de reciclagem. Me indicaram e vim para cá”, conta.


O contato que teve com produtos médicos, como seringas e agulhas, bem como baterias e pilhas descartadas incorretamente, o faz tecer uma crítica. “Foi num prédio de luxo no Gonzaga. Quando trouxe para cá e fui abrir, tinha comida misturada. E coisas de hospital, até com sangue. Isso é errado”, critica.


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