Palafitas e áreas de risco: problema social se arrasta há anos aos olhos do poder público
Governos não podem alegar falta de recursos ou de conhecimento sobre onde e como estão as áreas irregulares
O título que encabeça este texto já foi usado inúmeras vezes, por inúmeros autores, e em quase todas elas o objetivo é o mesmo: expressar que a solução de um problema social não diz respeito apenas à parte da população diretamente atingida por ele, mas a todo o coletivo da sociedade. E não seria diferente quando o tema central é o crescimento das populações em áreas irregulares, quer sejam mangues, palafitas, áreas de risco nas encostas dos morros ou em trechos ambientalmente protegidos.
Não vivemos em bolhas, com cada segmento social dentro da sua. O esgoto não-tratado na Vila dos Pescadores ou na Vila Pantanal vem parar na praia em que todos se banham. O mangue devastado da Vila dos Criadores prejudica o berçário natural do peixe que um dia viria parar na mesa da família. Mais que isso: as pessoas que vivem em áreas de risco um dia podem ser atingidas por desbarrancamentos, podem morrer sem acesso a condições dignas de saúde, e essas vidas perdidas impactam relações sociais, relações familiares, relações de amizade e de trabalho.
Governo nenhum, de esfera nenhuma, pode dizer que não tem como controlar o crescimento dessas áreas. Hoje, já há ferramentas tecnológicas acessíveis para monitorar até debaixo da terra, o que dirá sobre ela. Conhecer essas áreas, saber quem vive ali e que carências tem é o primeiro passo para buscar e dirigir os recursos públicos.
Governo nenhum, de esfera nenhuma, pode alegar falta de recursos. Recursos há, o que falta é entender que essa é uma questão prioritária porque, uma vez mitigada, favorece o conjunto dos municípios e seus moradores.
Governo nenhum, de esfera nenhuma, pode dizer que nessas comunidades só vivem bandidos ou pessoas fora da lei. É fato que a falta de estrutura, de arruamento e de iluminação favorece a que lugares com alta densidade demográfica sirvam de esconderijo para criminosos, mas essa não é a regra. Em casas de família, atrás do balcão de loja, na cozinha dos bares, na condução do ônibus que se pega todos os dias há pessoas que vivem sobre a água, debaixo de uma pedra prestes a cair, num terreno íngreme, que não podem pagar aluguel ou contrair financiamento em programas oficiais.
Todos têm responsabilidade sobre um quadro assim, e já bastaram os discursos que terceirizam as soluções, como se fosse a sociedade civil, e não os governos, os responsáveis por criar as políticas públicas necessárias e ir em busca de recursos.
Brasileiros são sempre esperançosos. A esperança está no DNA. Este caderno reúne motivos,falas e constatações para provar que já não há mais espaço nem tempo para falar em radiografias ou reuniões técnicas. Para que a esperança de dias melhores se mantenha no horizonte de quem vive em áreas irregulares e de quem acompanha esse quadro, é preciso, agora,ir em busca de soluções.