CBF tem que parar com o faz de conta
Veto a trocas de técnicos em excesso traz pegadinha que libera geral
Por vias tortas, já que interfere diretamente na administração dos clubes em nome de um bem maior, a CBF apresentou uma fórmula para conter as frequentes e danosas demissões de treinadores. A partir de agora nas Séries A e B do Campeonato Brasileiro, um clube só pode dispensar um único técnico durante a competição. Se houver uma segunda demissão, o treinador seguinte terá de ser alguém já empregado no clube. Do lado do treinador, ele só pode pedir demissão e mudar de clube uma vez também.
A medida poderia fazer algum sentido se não houvesse a possibilidade do "acordo mútuo", expressão que abusa da redundância, pois ainda não inventaram o acordo individual. Se clube e treinador concordarem na hora de romper o vínculo, tudo bem, pode trocar à vontade. Dada a relação muitas vezes promíscua entre os entes do futebol, fica difícil imaginar algo diferente de uma série de acordos mútuos fazendo a roda das demissões girar.
A CBF alega que o "acordo mútuo" está previsto em lei e não pode ser ignorado. Ora, se há um dispositivo que praticamente inviabiliza o que se pretende, para que seguir em frente? Para parecer virtuoso e moderno?
Na verdade, essa não é a primeira vez que a legislação esportiva apela para o "me engana que eu gosto". Outro engodo está na possibilidade de os clubes perderem pontos por atrasarem salários dos jogadores. A punição está prevista em lei, mas depende da denúncia do jogador para ser aplicada. Alguém imagina o que aconteceria a um jogador que denunciasse um clube? Além de nunca mais ser contratado por ninguém, ele correria sérios riscos de apanhar de torcedores fanáticos na rua. Não é à toa que, com exceção do Figueirense, que recentemente viveu quase uma crise humanitária na Série B, ninguém nunca perdeu pontos. E olha que atraso de salário é a coisa mais comum no futebol brasileiro.
Pagar salário em dia é obrigação de todo empregador. Se há uma lei que pune quem não paga, o correto seria haver uma fiscalização independente, e não esperar que o empregado, a parte mais fraca, se exponha. Além disso, demitir ou manter o treinador é prerrogativa do clube. Se há trocas em excesso, que de fato prejudicam o nível do jogo, a correção de rumo deve acontecer de forma natural, a partir do momento em que os dirigentes entenderem que isso não resolve.
Se quer mesmo ajudar os clubes a evoluírem, a CBF precisa parar com o faz de conta.