Justiça através do povo: 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil

Essa ferramenta está presente desde 1822, ultrapassando os séculos entre o Império e os dias atuais

Por: Paulo de Jesus  -  18/06/22  -  07:30
Neste ano comemoramos 200 anos do Tribunal do Júri como instrumento de justiça no Brasil
Neste ano comemoramos 200 anos do Tribunal do Júri como instrumento de justiça no Brasil   Foto: Reprodução/Freepik

Neste ano comemoramos 200 anos do Tribunal do Júri como instrumento de justiça no Brasil. Essa fascinante ferramenta que chama a atenção de tantos cidadãos, especialmente dos estudantes de direito, está presente desde 1822 ultrapassando os séculos entre o Império e os dias atuais.


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Na Constituição Federal de 1988 encontra previsão no artigo 5º, inciso XXXVIII, o qual elenca as garantias para o seu exercício, a saber: sigilo das votações (os votos dos jurados são secretos); plenitude de defesa (onde todos os meios de defesa poderão ser utilizados); soberania dos veredictos (em que ao voto dos jurados é garantido o efetivo poder de decisão) e competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.


Cabe ao Conselho de Sentença, composto por jurados que geralmente não tem conhecimento jurídico, decidir a respeito dos crimes que intencionalmente atentam contra a vida. O homicídio (matar alguém), infanticídio (matar, sob a influência do estado puerperal - que são intensas alterações psíquicas e físicas em que a mãe deixa de ter plenas condições de entender os fatos praticados - o próprio filho, durante o parto ou logo após), aborto (provocar a interrupção de uma gravidez) e o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (tanto punível a quem sugere a ideia para alguém se matar, como quem concorda e incentiva tal atitude manifesta ou, ainda, quem presta qualquer tipo de auxílio à prática) são as condutas que nós elegemos como de competência do Tribunal Popular.


Vale lembrar que apesar da decisão no tocante à materialidade e autoria do delito ser atributo dos jurados, há uma divisão de funções com os juízes togados (de carreira), pois cabem a estes dosar e aplicar as penas com base no veredicto emitido pelos juízes de fato. Portanto, os magistrados de carreira não só presidem os trabalhos e os debates entre acusação e defesa, como também aplicam a pena devida em caso de condenação com base na legislação penal vigente e no seu entendimento.


Não é à toa que o Tribunal do Júri desperta tanta atenção da sociedade. Basta observarmos o sem-número de filmes e séries que tem como cenário principal o Tribunal Popular. São os crimes mais humanos que existem, afinal, quem poderá dizer que jamais praticará um homicídio agindo em legítima defesa de quem ama, por exemplo? A repercussão, plenários suntuosos, os debates acalorados, a participação intensa da sociedade na fiscalização dos trabalhos são apenas alguns exemplos do porquê esse formato de julgamento ultrapassa os séculos e funciona até hoje como ferramenta eficaz de justiça.


Isso não quer dizer que não sofra críticas, muito ao contrário. Diversos operadores do direito desaprovam a instituição do Júri. Parte deles a considera obsoleta, cercada de formalismos e formalidades que muitas vezes obstaculizam a aplicação das normas penais. Outros consideram temerário atribuir ao cidadão leigo o julgamento de crimes tão complexos, permitindo que erros judiciários graves aconteçam. Defendem, assim, que os julgamentos deveriam ser realizados por juízes de carreira.


Ouso discordar. Como advogado criminalista atuo perante o Tribunal do Júri há quase 20 anos e posso afirmar que o tirocínio, o conhecimento de vida, a perspicácia dos jurados leigos são indispensáveis para a realização desses julgamentos. Em sua obra “Quatro Gigantes da Alma”, Emilio Mira Y Lopes nos apresenta os quatro valores emocionais que compõem a alma humana: o medo, a ira, o amor e o dever. E são justamente esses gigantes que são confrontados num julgamento com acusações que versam a respeito de crimes dolosos contra a vida. Desta forma, esses sentimentos não podem ser avaliados apenas com a letra fria da lei. O Tribunal do Júri é o palco para julgamentos de crimes que tocam a alma humana e são os cidadãos comuns e não os juízes togados que devem decidir o destino nesses casos.


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