ESG, ODS e livre contratação no trabalho portuário

Enquanto a reforma trabalhista portuária não acontece, a Lei Federal 14.047/2020 traz uma solução paliativa

Por: Lucas Rênio  -  05/04/22  -  06:48
  Foto: Ricardo Botelho/Minfra

O 1º Encontro Porto & Mar 2022, promovido pelo Grupo Tribuna, foi marcado por ricos diálogos multidisciplinares. Especialistas de diversas áreas apresentaram ideias e questionamentos sobre a temática da desestatização e, mais que isso, lançaram reflexões sobre o futuro do setor portuário. Embora tenham surgido de interlocutores diferentes, e a princípio pareçam desconectados, três assuntos merecem uma atenção conjunta no âmbito do trabalho portuário: liberdade de contratação, ESG (política ambiental, social e de governança) e ODS (objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU).


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O primeiro ponto está ligado aos institutos da livre iniciativa e da liberdade econômica. Além de serem direitos que a Constituição Federal e a Lei Federal 13.874/2019 asseguram às empresas, essas liberdades atraem investimentos que geram oportunidades de trabalho e desenvolvimento social. Mas, no campo prático da relação capital-trabalho, esses direitos só se desenvolvem efetivamente se outras duas liberdades forem respeitadas: a de contratação, para que as empresas possam escolher “quem” contratar e “como” contratar, e a de exercício de profissão, assegurando aos trabalhadores a possibilidade de conquistar qualquer emprego no setor privado. Seja pelo critério de prioridade, ou de exclusividade, essas liberdades ficam em xeque no setor portuário devido à reserva de mercado que ainda consta na ultrapassada, e anacrônica, parte trabalhista da Lei Federal 12.815/2013. Faz-se necessária, com premência, uma “reforma trabalhista portuária”! Mas isso é assunto para outro artigo...


O que precisa ser destacado, nesta oportunidade, é que essa reserva cria barreiras contra o avanço na contratação de mulheres e jovens em atividades como estiva, capatazia e conferência. Explica-se: embora a tese do “cadastro aberto de vinculados no Ogmo” esteja ganhando corpo, parte da jurisprudência entende que o acesso às vagas de emprego (via CLT) é um privilégio dos trabalhadores portuários avulsos (TPAs) inscritos no Ogmo. Esse grupo restrito de trabalhadores é composto quase que totalmente por homens, e muitos deles têm média avançada de idade (grande parte até já se aposentou, e segue trabalhando). Nesse contexto, mulheres e jovens ficam duplamente prejudicados: não trabalham como TPAs, e não têm acesso livre às vagas de vinculação empregatícia.


Se os OGMOs tivessem uma maior liberdade de gestão, a exemplo das empresas de trabalho temporário de países como Portugal (ETPs) e Espanha (CPEs), essa barreira poderia ser superada de forma simples com uma política interna de equidade de gênero e de incentivo aos jovens. No caso espanhol, por exemplo, o Centro Portuario de Empleo de Valencia possui um plano de igualdade de gênero. Em tais países existem, ou podem existir, diversas empresas de trabalho temporário concorrendo no mesmo porto. Ademais, não há seleção pública nem estabilidade, institutos do serviço público que acabam sendo aplicados ao trabalho portuário avulso no Brasil.


E isso segue uma lógica óbvia: embora tenha alma pública, o setor portuário possui corpo privado e é impulsionado pelas empresas privadas, em regime capitalista. A reserva de mercado é antiESG e antiODS, pois não contribui para a equidade de gênero e para o alcance de objetivos como os de números 1, 5, 8 e 10.


Enquanto a reforma trabalhista portuária não acontece, a minirreforma promovida pela Lei Federal 14.047/2020 traz uma solução paliativa: autorização para que operadores e terminais portuários contratem, por prazo determinado, mulheres e jovens do mercado de trabalho comum para atuarem como portuário(a)s sempre que o pessoal do sistema Ogmo não atender as ofertas de vagas.


O Artigo 4o, §1o, da referida lei federal é aberto, amplo, não exaustivo, permitindo esse tipo de contratação sempre que houver “indisponibilidade de trabalhadores portuários avulsos”. Essa indisponibilidade pode ser por qualquer causa, “tal como” (expressão utilizada pela lei, de forma aberta): falta de interesse, de qualificação, de perfil ligado a gênero ou idade etc.


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