Desestatização e o trabalho no Porto de Santos

Surgiu recentemente polêmica sobre eventual intersecção entre temas desestatização e reserva de mercado dos portuários

Por: Lucas Rênio  -  08/03/22  -  07:08
  Foto: Ilustração: Max

Surgiu recentemente uma polêmica sobre a eventual intersecção entre os temas desestatização e reserva de mercado dos portuários. Essas duas questões, de alta relevância para a relação capital-trabalho no Porto, não se misturam. Embora existam muitas profissões que se desenvolvem no porto, a Lei Federal 12.815/2013 enquadra como portuários apenas as seis atividades descritas em seu Artigo 40: capatazia, estiva, conferência, bloco, conserto e vigilância de embarcações. Estes são, tecnicamente falando, os portuários em sentido estrito.


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O debate sobre a reserva de mercado restringe-se a este grupo e vemos que tem crescido na doutrina e na jurisprudência as bases que sustentam a validade do cadastro Ogmo de vinculado (com destaque para recentíssimas decisões do TST e do TRT-RJ). Os integrantes das demais profissões, não menos relevantes, inserem-se no conceito lato de “trabalhadores do porto”. É neste grupo que os servidores das administrações portuárias estão inseridos, e aqui sim o assunto desestatização tem influência direta!


Até o advento da Lei Federal 8.630/1993, as Companhias Docas reuniam em seus quadros esses dois grupos de trabalhadores: portuários e trabalhadores do porto. De 1993 em diante, com a implantação da privatização das operações portuárias, as referidas estatais passaram a se concentrar em atividades gerenciais de administração. O serviço de capatazia, que até então era executado em regime de monopólio pelas Cias. Docas (service port), foi transferido à iniciativa privada e os portuários de tal atividade passaram por um processo de desligamento.


Estima-se que entre os anos de 1996 e 2000, com a saída dos portuários de capatazia, o número de servidores das Cias. Docas em todo o Brasil caiu de 11.041 para 3.544. No caso específico da Codesp, atual Santos Port Authority (SPA), o headcount passou de 5.270 para 1.304 (números aproximados). Calculava-se, no início dos anos 2000, que um quadro de aproximadamente 1.000 pessoas seria suficiente para que a antiga Codesp pudesse desempenhar suas funções de administradora portuária.


A tendência natural era de que, com a modernização e a desburocratização dos procedimentos ligados à administração portuária, esse quantitativo fosse decrescendo ano após ano. Isso não aconteceu, e nas últimas décadas a comunidade portuária conviveu com um indesejável, oneroso e improdutivo inchaço nos quadros da referida estatal. Até 2019, o quantitativo de servidores da SPA ainda girava em torno de 1.300 pessoas. Somente nos últimos três anos, em virtude do novo paradigma de governança que passou a ser implantado nas administrações portuárias, é que medidas efetivas foram adotadas para ajustar tal excesso. Atualmente o quadro geral é de 965 servidores.


Seguindo o mesmo padrão do que foi instituído para a Codesa, a desestatização do Porto de Santos prevê que os servidores terão garantia de emprego por um ano, além da opção de PDV e de acesso a programa de requalificação profissional. Não se pode ignorar que tal pacote protetivo é vantajoso, pois os servidores da SPA não são detentores de estabilidade e se submetem, em linhas gerais, às mesmas condições dos empregados celetistas de qualquer outra empresa.


Quanto à Guarda Portuária, segue em debate no STF a possibilidade da sua terceirização. Seja no campo do Direito Administrativo, ou do Direito do Trabalho, a rigor essa opção revela-se viável. O próprio parecer da PGR, apresentado em outubro de 2021, apresenta uma série de elementos nesse sentido. É interessante destacar, nesse contexto, que a própria Guarda Portuária adota uma prática incompatível com o status defendido pelos partidos políticos que moveram tal ação: realiza greve, algo que o STF entende ser vedado aos servidores públicos que atuem diretamente na área da segurança pública.


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