Estamos no século da tecnologia ou do comportamento?

Deveríamos estar discutindo a completa revisão nos instrumentos que regulam as relações do trabalho portuário

Por: Hudson Cavalho  -  15/07/22  -  07:13
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.   Foto: Carlos Nogueira/AT

“O verdadeiro cadáver não é o corpo (...), mas aquilo que deixou de viver”.

Fernando Pessoa


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Inovação. Ampliação. Investimento. Automatização. Desestatização. Mulheres no Comando. Governança. Renovação. Hub Port. Sustentabilidade. Carbono Zero. ESG. Esqueci algo? Nunca houve tantos assuntos sendo discutidos no ambiente portuário como nos últimos tempos. Com qualidade e absoluta necessidade. Bem-vindos às discussões! Por anos, os portos, Brasil afora, ficaram escondidos atrás dos muros, como se fossem apartados das cidades que os abrigam. Gigantes em tamanho e importância, mas escondidos. Só quem lá trabalha é que os conhece melhor.


Trabalho!? Está aí uma palavra que não aparece na lista acima. Temos explorado pouco esse tema, no cenário das profundas mudanças pelas quais vêm passando a atividade portuária. Deveríamos estar discutindo a completa revisão nos instrumentos que regulam as relações do trabalho, ou seja, todos os temas que envolvem as situações que se formam entre empregadores e empregados. Discuti-los envolve, hoje, muitos outros fatores. De saída, precisamos questionar os termos empregado-empregador.


Continuará havendo mais e mais trabalho? Sim! E cada vez menos empregos? Sim, também, pelo menos da forma como o conhecemos. A contratação com carteira assinada, regida pela CLT, uma senhora de quase 80 anos, tem dias contados. Está aí a crescente pejotização (contratação de profissionais que atuam como se fossem pequenas empresas ou pessoas jurídicas). Profissionais que executam determinada atividade, com a frequência combinada com o tomador de serviço, são pagas por isso e só voltam a se encontrar quando e se houver nova necessidade de prestação de serviço.


Esse ponto, isoladamente, não deveria assustar os profissionais portuários. Há décadas temos regimes diferenciados de contratação nas atividades de estiva, capatazia, vigilância de embarcações, bloco e conserto de carga. Os trabalhadores portuários avulsos (TPAs) trabalham sob demanda. Quando há trabalho, são requisitados. Quando não há, não são - sem diferença com a pejotização pura e simples, com exceção da intervenção do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), que atua em todos os portos organizados.


Há, porém, muito mais a ser tratado. Quem está discutindo produtividade, reduções de custo e tempo, o embarque da tecnologia que cria novos postos de trabalho enquanto dizima antigos? A discussão de qualidade que defendo, seja no seio das cidades que abrigam portos, seja na celebração de convenções ou acordos coletivos, vai muito além da remuneração por faina (como são chamadas as atividades realizadas por essas categorias), o tamanho dos ternos (grupos de trabalho que executam trabalhos de estiva e capatazia) e horários de trabalho.


É pouco. Na minha visão, as negociações que produzem resultados efetivos são as que trazem à mesa fatos e dados que permitem falar abertamente, com coragem e sem agenda própria sobre os pontos que trarão eficiência e eficácia aos processos de trabalho e que proporcionem aos profissionais e empresas, mecanismos que tornem o trabalho portuário atrativo para as novas gerações, enquanto retem os talentos que existem.


Não me canso de repetir. Sinto falta de duas linhas de ação. Uma delas é o envolvimento dos reais interessados, os trabalhadores que podem perder seus postos de trabalho. A outra é a atuação integrada entre Poder Público, entidades e empresas do setor portuário. Há iniciativas importantes ocorrendo, mas parece faltar um catalisador que acelere, complete e melhore esse processo. Se quisermos trabalhar bem a relação porto com cidade, temos que começar a gerar ações rapidamente.


Volto a Fernando Pessoa, com quem comecei este texto. Se não conseguirmos produzir melhores relações trabalhistas, deixaremos de viver o melhor que esse momento tão rico pode nos proporcionar: tornar o trabalho no setor portuário tão ou mais atraente do que qualquer outro em nossa economia.


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