Tudo junto & misturado... nos portos

Nossos portos têm origem privada, e os privados sempre dominaram as movimentações, mesmo na Era Portobras

Por: Frederico Bussinger  -  19/04/22  -  06:36
  Foto: Ilustração: Max

O fragmentado noticiário e as disputas de narrativas nas redes sociais turvam a visão. Mas há três projetos/processos sendo ensaiados em portos brasileiros: desestatização/privatização, centralização e verticalização. De outro, pouco se ouve algo muito desejável: integração. O mais visível, talvez a ponta do iceberg, é a desestatização, impropriamente tratada como inédita. Aliás, duplamente: nossos portos têm origem privada e os privados sempre dominaram as movimentações, mesmo na Era Portobras (1975-90)! Novidade, mesmo, é a proposta de desestatização das administrações dos portos organizados (os portos públicos), por vezes ainda referida como “privatização dos portos” - o que consiste na terceira impropriedade!


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De qualquer forma, essa poderia ser vista como uma etapa a mais de um processo de neo-privatização, em marcha batida desde meados do século 20, e intensificado no pós-Portobras. Nas últimas três décadas, a privatização balizada pela Lei Federal 8.630/93 começou voltada para os portos públicos, com os privados no lugar das Companhias Docas nas operações e arrendamentos - e operadores cogerindo o Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo). Já sob a Lei Federal 12.815/13, voltou-se novamente para fora: o destaque têm sido os Terminal de Uso Privado (TUP). Tudo isso sob sete presidentes eleitos e 26 ministros - guiados por uma “mão invisível", na linha da metáfora de Adam Smith?


Inversamente, o conceito menos brandido é o da centralização do processo decisório. Talvez porque sempre foi subjacente ao priorizado pelas narrativas oficiais: “resolver o imbróglio carga própria x carga de terceiros”, como se propunha o Decreto Federal 6.620/08; ou ainda o objetivo da Medida Provisória (MP) 595, que era embasar ambiciosos investimentos, lembram-se? Ambos embutiam, porém, uma governança estrategicamente centralizadora que, agora, a desestatização pode vir a cristalizá-la contratualmente.


Na mineração, verticalização produção-logística é realidade antiga. Granéis vegetais seguiram o caminho dos anos 90 para cá. Na última década, para o bem ou para o mal, concessões ferroviárias com terminais portuários se consolidaram, armadores se tornaram sócios de terminais de contêineres e ambos passaram a atuar na logística terrestre.


As desestatizações em curso focam portos públicos que, em casos como Santos e Itajaí (SC), são apenas parte de complexos portuários: a integração do planejamento, gestão e regulação de porto, rodovia, ferrovia e hidrovia potencializaria o desenvolvimentos de todos eles, além da sustentabilidade Porto-Cidade e meio ambiente. E muito mais de São Sebastião (SP), que tem retroárea contígua limitada para bem utilizar suas excepcionais condições náuticas. Afinal, uma plataforma logística multimodal vinculada, no industrializado Vale do Paraíba, não seria uma contribuição inestimável?


Qual a resultante desses processos? Num exercício de cenários, como estariam os portos e a logística brasileiras no final do próximo governo, da década ou em meados do século? Difícil dizê-lo, mesmo imaginando-se que a atual equipe do Governo Federal, as instituições e as corporações de Brasília que conduzem a desestatização e a centralização saibam aonde querem chegar, da mesma forma que os atores privados, diligentes condutores da verticalização.


Mas imprevisível, mesmo, é o processo de integração. Este depende, bastante, de governos estaduais, prefeituras e comunidades locais que, até o momento, têm ido pouco além de dúvidas, preocupações e contribuições sobre propostas das instâncias federais. E pior: exceto Itajaí, não está claro se tais atores querem ou topam assumir responsabilidades, algo imprescindível se há no horizonte o objetivo de se adotar, no Brasil, o modelo landlord dominante mundo afora.


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