Frederico Bussinger: De novo, uma nova poligonal para o Porto de Santos

Ele é consultor, engenheiro e economista

Por: Frederico Bussinger  -  25/01/22  -  06:41
Atualizado em 23/02/22 - 12:04
  Foto: Santos Brasil/Divulgação

A Portaria 66, de 18 de janeiro, oficializou uma nova poligonal para o Porto de Santos. A iniciativa em si não é uma surpresa, pois alguns sinais de fumaça já haviam sido emitidos por autoridades em 2021. Mas, aparentemente, há pontas soltas no processo, considerando-se a magnitude das modificações, a complexidade do Porto e as implicações futuras, quando se anuncia uma ainda não clara desestatização (privatização).


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Formalmente, chamou atenção a não realização de uma audiência pública prévia. É verdade que não há exigência legal explícita para tanto. Mas, a Lei Federal 9.784/99, que regula o tema, faculta (quase que recomenda!) à administração “abrir período de consulta pública para manifestação de terceiros” quando “a matéria do processo envolver assunto de interesse geral”. Não é esse o caso?


Aliás, mais que uma interpretação, esse foi justamente o fundamento para que o mesmo Ministério da Infraestrutura convidasse, via Portaria 1.483, de 6 de dezembro, “os interessados a participarem do procedimento de consulta pública (...) para a adaptação da poligonal da área do Porto de Suape (PE)”. Seriam dois pesos e duas medidas?


Bem! Sempre poderá ser invocada uma audiência pública realizada em 12 de abril de 2018. Porém, nesse caso, algumas questões precisariam ser enfrentadas. O que nela está proposto não foi consumado na poligonal de 30 de junho de 2020, anunciada como exemplo de planejamento a longo prazo, de segurança jurídica e base para vultosos investimentos e geração de milhares de postos de trabalho?


Além disso, parte do ora agregado à área do porto organizado (APO) pela novíssima poligonal efetivamente constava da proposta apresentada na oportunidade. Entretanto, foi desconsiderada pela poligonal de 2020. Por que essa mudança de estratégia em apenas um ano e meio?


No mérito, a mudança visa à ampliação da APO. Na visão do copo meio cheio, ela estaria sendo praticamente dobrada (mais 6 km2 sobre os atuais 8 km2). Na visão do copo meio vazio, a área resultante é cerca de metade da que foi originalmente definida por uma portaria de 1993, que abrangia todo o Estuário e, ao longo do tempo, foi sistematicamente reduzida, em sentido inverso ao da recente portaria.


Motivação? O que se noticia, implícita ou explicitamente, é o aumento da atratividade ao processo de desestatização, cuja consulta e audiência pública são anunciadas para breve. Ou seja: aumento dos ativos à disposição do futuro outorgado para comercialização. Alguns, todavia, questionam essa possibilidade (ao menos de imediato), visto que alguns desses locais estariam hoje sob domínio útil de privados e outros são áreas de preservação ambiental.


Mais que as grandes dimensões das mudanças, todavia, talvez tenham sido os pequenos detalhes que mais chamaram atenção no mapa da nova poligonal. Por exemplo, à DPW, dois novos enclaves foram agregados à APO: uma grande área à direita de Bagres (área que constava da proposta de 2018) e uma pequenina área à esquerda. Ué! Se o objetivo é aumentar os ativos, por que deixá-las de fora?


Ambas são TUPs. Não se trata, apenas, de uma curiosidade: o que esse contorcionismo normativo estabelece é a APO regida por determinadas normas, enquanto nesses “enclaves” há regras distintas, como já identificou o Tribunal de Contas da União (TCU).


Vale a discussão se isso é bom ou ruim. Mas o certo é que o “ambiente concorrencial em bases isonômicas”, diretriz-mór das melhores práticas de reformas portuárias pelo mundo, ao menos no futuro próximo pode sofrer mais um abalo.


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