Desestatização ou reformas portuárias? Em pauta

Problemas reais para o futuro dos portos brasileiros são discutidos publicamente

Por: Frederico Bussinger  -  17/05/22  -  06:52
  Foto: Carlos Nogueira/Arquivo/AT

Finalmente problemas reais e estratégicos para o futuro dos portos e da logística brasileira passaram a ser discutidos publicamente nesse início de ano. Também já se ouviu a voz da Prefeitura de Santos. E se os donos de cargas seguem silentes, entidades dos prestadores de serviço vêm se posicionando sobre questões de mérito. Assim, a pauta portuária já não se limita mais a “problemas” (cuidadosamente) pinçados para justificar decisão anterior à contratação dos estudos do BNDES. O objetivo deles, constata-se, não era analisar caminhos alternativos de solução, ou encetar um novo ciclo de reformas, e sim apenas modelar o “como” implementar a decisão, com base no benchmarking previamente escolhido - e controverso desde o início.


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Um exemplo dessa pauta emergente é a análise concorrencial, que foi tema central da recente audiência pública do terminal STS10. Uma questão complexa, polêmica e medular, que também marcou presença nas audiência pública da Santos Port Authority (SPA). A Prefeitura de Santos falou de suas preocupações (ou seriam críticas?) em relação a tal processo, como revelado semana passada em A Tribuna, citando a inexistência de consultas prévias por parte do Governo Federal; dúvidas sobre investimentos, túnel, berço público e modelo jurídico-institucional; preocupações com perfil de cargas e valor/pagamento da outorga; pleitos em relação a parâmetros ambientais; explicitação de regras municipais aplicáveis; e dinâmica da interação com a comunidade.


Em artigos recentemente publicados também em A Tribuna e assinados por seus principais dirigentes, as entidades do setor se expressaram. A Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) argui aspectos de modelagem da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) e SPA que confrontariam antigas bandeiras da entidade. Por exmeplo: ampla liberdade econômica para estabelecer modelo de negócio, garantia do direito à prorrogação e direito de preferência em novas licitações e de substituição de área. Reivindica “vacinas” contra brechas para abusos da futura “monopolista” (a concessionária)! E a novidade: pleiteia que ela consulte as empresas, que já exploram instalações, sobre projetos em novas áreas. Será que é compatibilizável?


Já a Federação Nacional das Operações Portuárias (Fenop) discute governança portuária. Aguça o tom crítico que vinha adotando sobre a centralização do processo decisório em Brasília e volta a bater na tecla da necessidade de um Conselho de Autoridade Portuária (CAP) protagonista. E os mais arrojados deles são textos da Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados (Abtra) em que ela argui tanto a urgência do processo do STS10 (em paralelo ao da SPA) quanto, principalmente, as fragilidades editalícias (e da modelagem) em relação à potencial cartelização/verticalização resultante. Nos subsequentes, volta a arguir a pressa do leilão e os fundamentos conceituais de concorrência e protecionismo. Interfaces também.


Interessante é que esse rol de questões, em aberto, não afeta nem o cronograma do leilão da SPA (4º trimestre de 2022) nem os roadshows internacionais, ainda que a pauta seja ampla, plural e cresça; com exemplos dos quatro processos, embricados, em curso nos portos brasileiros: desestatização/privatização, centralização, verticalização e integração. Fica também cada vez mais nítido que a desestatização está mais para a empresa (autoridades-administradoras) e que esta é, só, um dos players do planejamento, gestão e governança portuária. Não seria por isso que, internacionalmente, tais discussões/processos são tratados como reformas portuárias? Aliás, o Banco Mundial tem até manual a respeito!


Uma análise dos ingredientes dessa pauta emergente, bem como seus conflitos, caminhos alternativos e outros aspectos, deverá ser objeto de próximos artigos desta série que se inicia.


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