Tornozeleira para as ideias

Se atos antidemocráticos chocam, mais ainda quando partem do parlamentar de um país republicano

Por: Redação  -  21/04/22  -  06:52
  Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

O Supremo Tribunal Federal condenou nesta quarta (20), por 10 votos a um, o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) por ofensas e ameaças ao órgão e por incitar a violência. O processo teve início no ano passado, após a Procuradoria-Geral da República apresentar denúncia à Corte.


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Em fevereiro de 2021, Silveira publicou um vídeo em que proferia ofensas e ameaças contra ministros do Supremo, além de defender uma eventual reedição do AI-5, o ato mais repressivo da ditadura militar.


O caso Daniel Silveira gera divergências desde sempre. Uma ala classifica seus atos como fruto do direito ao pensamento livre, à livre manifestação de opinião, ainda que haja críticas a órgãos públicos e instituições da República. Uma parte da ala que pensa dessa maneira entende que o caso tomou essa proporção porque o deputado integra o grupo bolsonarista e, portanto, estaria havendo uma perseguição gratuita ao parlamentar, na tentativa de diminuir e deslegitimar políticos e defensores do atual governo.


Viver em democracia exige vigilância permanente e atenta, e as redes sociais potencializaram o eterno Fla-Flu que se verifica desde o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Há uma tendência de banir da sociedade os que pensam diferente, os que defendem pontos de vista divergentes e os que integram outras alas ideológicas sob o ponto de vista político. Exercitar a escuta é quase tão difícil quanto respeitá-la e aceitá-la como opinião contrária.


Mas há um limite cristalino entre o direito à livre manifestação e a incitação à violência, ao banimento de instituições ou sua derrocada. A régua da tolerância para o comportamento de Daniel Silveira foi bastante alta. O episódio do ano passado foi apenas a gota d’água, após uma série de ataques ao longo de 2020. “O STF apoia o narcoterror, as facções criminosas. E quem apoia o narcoterror não passa de vagabundo”. E ainda: “Quero que o povo entre no STF, pegue o Alexandre de Moraes pelo colarinho, sacuda a cabeça de ovo dele e o jogue em uma lixeira”.


Em sã consciência, nenhum brasileiro pode enxergar afirmações assim como normais, aceitáveis e democráticas. Se isso ocorre, abre-se brecha para qualquer cidadão seguir o mesmo exemplo, normatizando agressões, defendendo a beligerância e empobrecendo as instituições-pilares da República. O entendimento é válido para os dois lados: fosse um deputado de esquerda a agir da mesma forma contra ministros, o presidente ou outras personalidades, o caminho do julgamento deveria ser o mesmo.


Se atos assim chocam quando vêm de pessoas comuns, ao partirem de um deputado tornam-se ainda mais graves, na medida em que foram as instituições previstas na Carta que permitiram que ele chegasse ao Parlamento. Se a condenação não ocorresse, a Silveira precisaria ser aplicada uma outra pena: a de voltar a usar tornozeleira. Não para monitorar o ir e vir, mas as ideias criminosas que propaga.


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