Sol entre nuvens

Com a evolução da pandemia e a morte entre seus pares, o Congresso se afasta do Planalto. É um jogo de sobrevivência política

Por: Da Redação  -  20/03/21  -  14:45

Relatos lidos, ouvidos e transmitidos por repórteres e comentaristas de meios de comunicação nacionais foram cristalinos quanto à comoção, entre senadores, da morte de um colega por covid-19: Sérgio Olímpio Gomes, o Major Olímpio, cuja existência foi abreviada dois dias antes de completar 59 anos.


Para os conhecidos padrões de mortalidade da doença até antes da disseminação de novas cepas do vírus, ele era jovem e fisicamente forte, como descreviam parlamentares, entre assustados e chorosos, nas horas seguintes à confirmação do óbito do mais votado senador nas eleições de 2018.


Os que acompanham a atividade política há anos sabem do significado de seus símbolos táteis: o aperto de mãos, que representa acordo firmado, e o enlace no qual um interlocutor põe um braço sobre os ombros do outro, denotando um chamado para uma conversa mais reservada e franca.


Tudo mudou com a pandemia. No entanto, visto que um parlamento é o microcosmo da população e representa sua diversidade de modo aproximado, há senadores e deputados federais que mantêm hábitos de uma vida inteira como se não houvesse doença ou, pior, por desdenhar de sua gravidade.


Agora que morreu mais um colega de plenário, neste caso provocando mais consternação do que nas duas ocasiões anteriores — nas quais os senadores falecidos tinham 83 e 87 anos, numa fase da vida em que se é, naturalmente, mais frágil do que aos 58 —, os senadores se convencem de que o contato pessoal deve ser restrito ao máximo. Na vizinha Câmara dos Deputados, menos de uma hora após a confirmação da morte cerebral de Major Olímpio, o presidente Arthur Lira impôs restrições às atividades presenciais por duas semanas, com sessões virtuais.


Apesar disso, o Congresso Nacional não pode ser considerado em lado oposto ao do Governo na crise sanitária. Porém, até mesmo por instinto de sobrevivência política, afasta-se do Planalto. Por ora, o faz com delicadeza: horas antes da morte do senador, Lira participava de uma videoconferência e, nela, afirmava ser necessário que o Brasil evitasse “vexame internacional” no transcurso da pandemia e de seus efeitos. Já o passa, mas o deslocamento gradual se dá com sutilezas que provêm de cálculo político.


Os congressistas, sobretudo sob a forte e recente emoção do adeus a Olímpio, também analisam a aceleração de casos e óbitos por coronavírus; esquadrinham pesquisas de opinião nas quais entrevistados apontam inépcia do poder central diante do desastre na saúde; observam as reações do Planalto, em palavras, atos e omissões, e sua falta de sintonia com estados.


Até agora, nem o presidente da Câmara nem o do Senado, Rodrigo Pacheco, se dizem dispostos a levar adiante ideias contra o Governo, como uma CPI para apurar a responsabilidade deste na pandemia. Porém, segundo políticos de todas as épocas, política é nuvem: muda com o vento. Às vezes, chove.


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