Retorno à Idade Média
O crime deve ser combatido com rigor, mas não de qualquer forma só porque se trata de região de gente desassistida
Há muito a ser apurado sobre a Operação Exceptis, realizada pela Polícia Civil, na quinta-feira, na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, e que resultou em 29 mortes. Aliás, este caso, que reúne brutalidade policial e a violência das facções criminosas, não se trata de um problema apenas carioca. Tal contexto se repete em menor ou maior grau nas grandes e médias cidades e o estudo desse fenômeno é necessário para um efetivo enfrentamento e aprimoramento da ação das forças de segurança.
No caso de Jacarezinho, já se pode ter certeza que ali não houve algum sucesso, como as autoridades fluminenses têm afirmado. Além da alta letalidade, a Polícia Civil conseguiu prender apenas três procurados, sendo que outros três foram mortos. O grande objetivo era deter 21 suspeitos de aliciamento de crianças e adolescentes para o tráfico de drogas gerenciado pelo Comando Vermelho.
Se a operação cumpriu somente 28% das detenções planejadas, os outros reflexos da Exceptis revelam sua ineficiência. Primeiro porque ela custou a vida do policial André Frias, de 48 anos, atingido por meio de uma seteira – expressão que vem da abertura em muralhas da antiguidade ou medievais para matar inimigos e que na modernidade da violência carioca consiste em buraco nos muros para passar a ponta das armas.
Além disso, os tiros chegaram ao metrô, ferindo dois passageiros e causando corre-corre. Já os moradores denunciaram execuções (a polícia nega e inclusive diz que um dos vídeos divulgados não é dessa operação). Por último, não deve haver a ilusão de que o Comando Vermelho vai se intimidar e abrir mão de Jacarezinho – é provável que o tráfico continue a pleno vapor, inclusive arregimentando jovens pobres sem acesso a ensino de qualidade e, portanto, sem expectativa de uma vida melhor.
Lições podem ser tiradas da operação. Apesar da ideia geral, representada pela fala do vice-presidente Hamilton Mourão, de que era “tudo bandido”, as operações com alta letalidade não têm efeito prático. Basta observar que esta não foi a primeira e mesmo assim a violência continua no Rio. A ampla cobertura televisiva também expôs o mundo paralelo comandado pela facção criminosa – não se trata de uma novidade, mas este caso dá as devidas dimensões.
O grande perigo das operações violentas é a elevada probabilidade de se matar inocentes. O crime deve ser combatido com todo o rigor sim, mas não de qualquer forma só porque se trata de região de gente pobre e desassistida.