Promessa não cumprida
De 2 bilhões de doses da vacina que seriam doadas aos países mais pobres, apenas 30% foram de fato distribuídas
Entre os cientistas, é praticamente consenso que regiões com não vacinados têm potencial para desenvolver novas cepas da covid-19 que driblariam imunizantes. A variante Ômicron seria um exemplo disso – sua capacidade de disseminação em países altamente imunizados impressiona os infectologistas.
Por isso, a aplicação das vacinas em larga escala e rapidamente, como forma de cortar a circulação da doença, é a melhor estratégia que se tem. Há outra arma: levar as doses para todos os pontos do mundo. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, a Organização Mundial de Saúde (OMS), por meio do consórcio Covax, pretendia levar 2 bilhões de doses aos países mais pobres.
Mas essa iniciativa fracassou por egoísmo dos mais ricos, que são os desenvolvedores dos imunizantes. De 2 bilhões, apenas 30% foram de fato distribuídas. Algumas dessas potências optaram por doar diretamente, sem intermediação da Covax, mas dos 30% já registrados, chega-se a apenas 40%.
Para a OMS, isso é um escândalo. O presidente da entidade, Tedros Ghebreyesus, fala em “vergonha moral”. Isso prova a dificuldade dos líderes mundiais de agirem em conjunto na crise. Das 28 nações que repassariam doses aos mais pobres, só Irlanda e Hong Kong atingiram a totalidade e a Eslovênia quase chegou aos 100%. Há extremos, como Japão, Austrália, Turquia, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Emirados Árabes e Macau, que nada entregaram (o Brasil não está na lista de doadores).
O resultado dessa incapacidade está na cobertura vacinal dos mais pobres, de 10%, enquanto entre os ricos é de 70%. O mais curioso é que, entre emergentes e latino-americanos, são 72%, reflexo de programas de imunização mais experientes e públicos e baixa invasão de movimentos antivacina.
Na África, a imunização ronda os 20% nos extremos norte e sul e a partir da aproximação do centro do continente, onde estão gigantes populacionais empobrecidos, a cobertura cai abaixo de 10%. A Nigéria, com 206 milhões de habitantes, imunizou apenas 2,1% com duas doses. O que impressiona é que tão baixa cobertura não resulte em transmissões acentuadas como nos países ricos ou emergentes (3 mil mortes na Nigéria contra 619 mil no Brasil).
O contraste pode ser por falhas nos registros ou pela contaminação possivelmente estar associada a economias desenvolvidas, com viagens de avião e aglomerações em empresas e eventos.
O fato é que não se sabe se a África pobre receberá uma superonda de alguma outra variante. Alguns cientistas dizem que futuras cepas tendem a ficar menos agressivas até como forma de sobrevivência do vírus para garantir sua disseminação (o ebola mata sua vítima muito rápido e assim não se espalha).
Mas não dá para se apoiar em possibilidades e o certo seria aplicar vacinas de forma sistemática e simultânea em todo o mundo. Mas o egoísmo visto até agora só ajuda a doença.