Pobre de espírito

Há muitos Arthur do Val por aí, e essa certeza nada tem a ver com política. Tem a ver com respeito e valores humanos

Por: Redação  -  07/03/22  -  07:12
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/   Foto: Matheus Tagé/AT

Mamãe Falei não nasceu deputado estadual. Nasceu Arthur Moledo do Val há quase 36 anos, em São Paulo. Cursou Engenharia Química no ABC, mas não concluiu o curso. Destacou-se como empresário no ramo da reciclagem e ganhou notoriedade ao criar um canal no YouTube onde discorre sobre conceitos liberais, dá recados aos empresários, às autoridades, e diz que “os indivíduos não podem ficar a mercê do agigantamento do Estado”, como consta em seu perfil no site da Assembleia Legislativa do Estado. Seu canal tem mais de 2,5 milhões de seguidores, parte deles responsável pelos 478.280 votos que recebeu em 2018, quando foi o segundo deputado estadual mais votado dessa Legislatura.


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O que sobra de retórica em seu canal de vídeos, falta de repertório histórico, conhecimento sobre a humanidade e as relações entre povos oprimidos e opressores, sobre guerras, campos de refugiados e, principalmente, sobre como são as mulheres em situação de vulnerabilidade frente ao horror de uma guerra. O que sobra de retórica, falta de valores humanos a esse que pretendia, até então, ser o futuro governador do Estado de São Paulo.


Talvez ele tenha querido ver tudo isso de perto ao pegar um avião no Brasil e viajar por mais de 20 horas até chegar à Ucrânia, onde supostamente foi “mostrar aos brasileiros a realidade da guerra’, como disse em um dos vídeos enviados durante a viagem.


Não precisava ter ido lá. Bastava pesquisar nas plataformas de filmes e encontraria um punhado robusto de opções em que a realidade da guerra e dos campos de refugiados está plenamente retratada. Entenderia que as mulheres refugiadas e pobres não são “fáceis”, como insinua nos áudios que vazaram no último sábado. Vulneráveis e expostas, muitas se tornam escravas sexuais e vítimas de violência, subjugação e até estupros coletivos.


Mamãe Falei não nasceu deputado. Sua postura misógina, machista, repugnante e odiosa nada tem de relação com a Assembleia Legislativa ou com os candidatos que apoiava. Dentro ou fora da política, há muitos arthur do val (com letra minúscula mesmo) na sociedade, disfarçados de bons moços, defensores dos direitos e da família: do mundo corporativo aos órgãos públicos, dos bairros nobres à periferia. Não é sobre o meio ou a profissão que se está falando: é sobre a essência, sobre como se enxerga o mundo e as pessoas que habitam nele. É sobre respeito.


A boa notícia é que a tolerância diante de posturas assim está cada vez menor, e para isso têm servido as redes sociais, que distribuem com velocidade surpreendente conteúdos repugnantes e desprezíveis. Jogados para fora, cumprem o seu papel de banir do campo de visão indivíduos como esse e tantos outros.


Sem imaginar o que viveria neste março de 2022, Arthur do Val cunhou, tempos atrás, a melhor definição para si mesmo, ao chamar de “cafetão da miséria” o padre Julio Lancellotti. O tempo mostrou, com precisão, a quem cabe verdadeiramente essa alcunha.


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