O mundo da rua

Se o laboratório do censo foi a rua, que o conhecimento adquirido retorne em forma de soluções. Não há mais desculpas

Por: Da Redação  -  17/12/20  -  10:31

O título que encabeça este texto foi copiado do relatório “Censo da População em Situação de Rua”, entregue esta semana, fruto de parceria entre a Prefeitura de Santos e a Universidade Federal de São Paulo-Campus Baixada Santista (Unifesp-BS). As palavras foram bem escolhidas pelo pesquisador que preparou o relatório com os dados do último censo dessa população, realizado em outubro de 2019 em Santos. A rua é um mundo à parte e da compreensão fina sobre quem a habita, com todas as singelezas e singularidades, decorrem inúmeras análises e, ato contínuo, políticas públicas eficazes, humanas e bem longe do movimento higienista defendido por uma minoria.


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O censo encontrou 868 pessoas vivendo em situação de rua, número 71% maior que o verificado em 2009 (507), mas apenas 8,9% superior ao encontrado em 2013 (797). Em outras palavras, o crescimento dessa população foi mais expressivo entre 2009 e 2013 (57%), do que nos seis anos seguintes, sugerindo que medidas adotadas pela atual gestão surtiram algum tipo de efeito, ainda não suficiente para reduzir esse contingente, mas ao menos para frear a curva ascendente.


O relatório produzido pelos pesquisadores é rico de informações. Uma delas joga por terra o argumento de que essas pessoas vëm de fora e, portanto, devem ser levadas de volta as suas cidades de origem. Não é bem assim: 60% dos 868 moradores de rua são do Estado de São Paulo e, desses, 38% são de Santos. Ou seja: quase 200 pessoas que vivem nas ruas de Santos são daqui mesmo, filhos da terra.


Também são destaque no estudo feito pela Unifesp e Prefeitura fatos relacionados ao perfil dessas pessoas: 19% têm ensino médio completo, 85% têm entre 25 e 59 anos e a maioria é de homens (82%). Esses dados, somados ao fato de que o desemprego é um dos motivos para estarem na rua, evidencia a necessidade de um plano de ação que inclua o trabalho e remuneração adequada para o sustento. Não se está aqui falando de benemerência, mas de programa de reinserção na cadeia produtiva.


Além do desemprego, também figuram entre as razões para a escolha da rua como moradia os conflitos familiares, uso abusivo de álcool e drogas e perda de moradia. Na verdade, o cenário que se desenha permite uma compreensão sistêmica do quadro, e dessa compreensão deve sair um fluxo de ações que ataquem o problema na raiz. Em outras palavras, não adianta imaginar que o simples estímulo à “volta para casa” será suficiente para tirar essas pessoas da rua. Onde há conflito familiar, desemprego, uso de drogas e álcool, não haverá reintegração fácil ou duradoura. Além disso, 17% deles disseram viver nas ruas entre 10 e 20 anos. 


Dados censitários servem para tirar o “achismo” das falas oficiais. E esse censo tem o mérito de trazer à superfície informações antes desconhecidas. Agora, é usá-los para programas assertivos, metropolitanos e permanentes. Se o laboratório do censo foi a rua, que o conhecimento adquirido retorne em forma de soluções. 


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