O improviso do fatiamento

Como a PEC dos Precatórios viabiliza verbas perto das eleições, no improviso, o projeto furou a fila das prioridades

Por: Redação  -  09/12/21  -  06:43
  Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O fatiamento da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios foi a solução encontrada pela cúpula da Câmara e do Senado para viabilizar dois desejos do Palácio do Planalto - abrir espaço no Orçamento para mais gastos e financiar o Auxílio Brasil.


Clique, assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe centenas de benefícios!


Necessidades à parte, a divisão da PEC para que suas medidas tenham efeito no próximo ano eleitoral simboliza o improviso na discussão de temas essenciais ao País e uma forma de contornar as regras que os próprios políticos criaram para dar transparência às votações. O fatiamento, uma brecha encontrada no regulamento do Legislativo, permite promulgar a PEC apesar do Senado ter alterado trechos antes aprovados pela Câmara (um projeto que é alterado precisa voltar à casa anterior). Neste caso, a fatia que já entra em vigor, por meio da mudança (furo) no teto de gastos, dá ao governo autorização para mais R$ 62,2 bilhões em despesas no próximo ano. O restante da PEC que não pode ser promulgado – porque vai precisar de outra votação na Câmara – libera outros R$ 43,8 bilhões também em 2022.


Esses precatórios são dívidas da União com sentenças definitivas e que deveriam ser pagas no próximo ano em cerca de R$ 90 bilhões. Como o governo tem prioridades para 2022 e a conta desse endividamento veio bem maior que o esperado, o ministro Paulo Guedes notou que faltaria dinheiro, considerando as regras fiscais. E qual essa regra? A do teto de gastos, criada no Governo Temer. Essa medida disciplinadora impôs por duas décadas que o Executivo gaste o mesmo do ano anterior, corrigindo apenas o valor pela inflação.


Entretanto, o adiamento no pagamento dos precatórios exigiu votação por meio de PEC, que por alterar a Constituição depende de dois terços dos votos, um resultado muito difícil de ser atingido. Estrategicamente, a proposta embutiu recursos para emendas parlamentares, que permite destinar recursos públicos a seus redutos eleitorais – um artifício para garantir apoio a temas importantes para o governo. No fim das contas, essa PEC atingiu abrangência surpreendente, pois muda os precatórios (interferindo na vida de quem aguarda a indenização), o teto de gastos (abre um furo que poderá ser ampliado) e arregimenta deputados e senadores. A ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber suspendeu e depois destravou as emendas de relator do orçamento. Esse tipo de repasse permite à cúpula do Congresso decidir quem será premiado sem precisar dar satisfações à sociedade – o caso vai ao plenário do STF.


Essa PEC, tão complexa, de imediato, deixou para escanteio projetos até então considerados prioritários, as reformas tributária e administrativa (servidores). Como a PEC viabiliza verbas perto das eleições, no improviso, o projeto furou a fila. Mas, o País deixou de discutir pautas que revisariam a carga de impostos e gastos públicos, fundamentais para modernizar e tornar o Brasil mais competitivo.


Tudo sobre:
Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
Ver todos os colunistas
Logo A Tribuna