O deficit não é só habitacional
Soluções e caminhos podem surgir aqui ou em outras partes do mundo e serem adaptadas e compartilhadas
Reportagem publicada ontem por este jornal evidencia, em números, o tamanho do desafio que é equacionar a questão da habitação popular na Baixada Santista. Dados extraídos de fontes oficiais evidenciam o crescimento dos núcleos irregulares, assentamentos desconformes e invasões de terras na região: 6,1% ao ano, percentual maior do que o de qualquer metrópole no planeta. É bem verdade que esse não é um cenário exclusivo da Baixada Santista, mas de todo o País, o que traz à discussão o fato de que soluções e caminhos podem surgir aqui ou em outras partes do mundo e serem adaptadas e compartilhadas.
Pelos dados evidenciados na reportagem, já são quase 470 mil pessoas vivendo nesses núcleos, onde as condições sanitárias são inadequadas, não há coleta ou tratamento de esgoto e existem riscos ambientais e geológicos. Uma análise mais detalhada coloca luz sobre outras questões correlacionadas: a existência do crime organizado, os gastos com saúde para tratar doenças recorrentes e prevalentes, o descontrole do uso de recursos naturais como a água.
Diferentemente de décadas atrás, quando não havia ferramentas tecnológicas para acompanhar e monitorar esses assentamentos, hoje já se tem farto material, quase em tempo real. É possível, por exemplo, precisar quantos são os barracos surgidos ou ampliados ano após ano, e estimar a população que cresce à margem das cidades. Também há condição de saber qual é a perda de água em ligações irregulares e qual o impacto na geração de esgoto e quanto esse esgoto não tratado compromete lençóis freáticos e cursos de água.
As autoridades são claras em afirmar que não há condição de fiscalizar o dia a dia desse crescimento. Não há efetivo humano para percorrer cada um dos núcleos irregulares, o que faz com que novas habitações surjam do dia para a noite. Além disso, há entraves judiciários que impedem a retirada de famílias quando já instaladas nesses locais. Áreas particulares têm tratamento e legislações diferentes, e há, ainda, uma questão maior e mais sensível: retirar famílias carentes de núcleos vulneráveis implica em ter para onde levá-las, e a produção habitacional não dá conta de acolher todo esse contingente que existe nos municípios.
Todas essas questões colocam sobre a mesa a certeza de que não será apenas a construção de conjuntos habitacionais a solução definitiva para o problema, que tem sua raiz na desigualdade social e também na existência de um mercado paralelo que fomenta a perenidade desse quadro, muitas vezes estimulado até mesmo por políticos e demais autoridades.
É preciso colocar a temática na ordem das prioridades do Estado, não de forma oportunista em anos eleitorais, mas como meta e compromisso de toda a sociedade. Há bons exemplos de soluções que foram eficientes aqui mesmo na Baixada Santista. Sempre é tempo de começar uma agenda propositiva.