O afrouxamento da improbidade

A grande polêmica são as punições brandas a quem realmente saquear e a dificuldade daqui para frente de repreendê-lo

Por: Redação  -  07/10/21  -  06:35
  Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

A conclusão da votação, ontem, da Lei da Improbidade Administrativa, pela Câmara, resultou em um texto controverso, com especialistas alertando que mais parece uma blindagem de políticos. O abrandamento da punição de agentes públicos surpreendeu e até empresas e empresários ganharam dispositivos de proteção, como alertou o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin. Falta apenas a sanção presidencial, dada como certa por deputados.


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A improbidade tem caráter cível e não criminal. São atos que, em detrimento do erário, levam ao enriquecimento ilícito ou contrariam os princípios da gestão pública, segundo definição do próprio portal da Câmara. Entre as penas, estão ressarcir o Estado, ter os bens indisponibilizados, perder o cargo ou sofrer a suspensão dos direitos públicos. O argumento no Parlamento é de que, com a lei atual, as sanções são muito duras e levam os agentes públicos a não tomarem decisões – e que algumas falhas não são intencionais, talvez resultado de má capacitação.


Entretanto, a grande polêmica são punições brandas a quem realmente saquear o erário público e a dificuldade daqui para frente de repreendê-lo na devida medida. Entre os pontos apontados por integrantes do Ministério Público, do Judiciário e da Transparência Brasil, a mudança central é a condenação por improbidade do gestor público apenas se for comprovada a intenção de cometer irregularidade, que é o dolo específico. Danos por imprudência não serão enquadrados. Um prejuízo causado por um prefeito só será punido sob prova de que quis lesar a administração.


O ex-advogado-geral da União Fábio Medina Osório afirmou que o texto se trata de um “retrocesso inaceitável” em relação à atual legislação, que nasceu em 1992, na época do processo de impeachment de Fernando Collor de Mello. Para Osório, a nova lei deixa impune tanto a ineficiência grave como a desonestidade. Ela inclusive impede a perda do cargo, por exemplo, de um deputado, sua função atual, se ele for condenado por atos de seu cargo anterior, como prefeito. Outras condutas enraizadas na política, como carteiradas e fura-filas, deixarão de ser punidas com base na improbidade.


Entre os deputados, a posição foi firme pelo texto-base, com 395 votos e apenas 22 contrários. O apoio uniu bolsonaristas, Centrão e oposição, com o relator Carlos Zaratini (PT-SP) conseguindo a rejeição a uma emenda sobre nepotismo que ele disse ser “imprecisa”. Ricardo Barros (PP-PR), alvo de ação por improbidade como ministro da Saúde, alegou que “quem tem patrimônio, família e honra não quer mais vir para a política”.


Se havia tanto rigor inviabilizando a atuação pública, o Congresso deveria ter feito uma discussão mais aprofundada e não tão morna, ouvindo a sociedade. O risco é que o afrouxamento poderá desenfrear abusos, o que levaria alguns anos até serem notados, com grandes perdas para a sociedade.


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