As fake news (ainda)
O PL não é prioridade neste momento. Prioridade é criar, por exemplo, formas de compensar o fim do auxílio emergencial
O Governo Federal enviou ao Congresso Nacional, no domingo (19), projeto de lei que pretende mudar o Marco Civil da Internet e dificultar a remoção de conteúdos por parte das grandes plataformas de redes sociais. O texto do PL retoma o objetivo da Medida Provisória 1.068, editada no início do mês, que tinha a mesma finalidade mas foi devolvida na semana passada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM). Com a devolução, o Executivo não poderia editar nova MP. A solução foi encaminhar um PL, que agora precisará passar pelas comissões e ser aprovado pelo plenário.
Em sua justificativa, o Palácio argumenta que a intenção é promover a “liberdade e transparência nas redes sociais”, e “evitar que conteúdos e perfis idôneos recebam – de forma injusta – o mesmo tratamento de criminosos”. E ainda: “A medida não impede a remoção de conteúdos e perfis, apenas combate as arbitrariedades e as exclusões injustificadas e duvidosas, que lesam os brasileiros e suas liberdades”.
Desde o início de sua campanha à Presidência, ainda em 2018, Jair Bolsonaro fez das redes sociais sua principal plataforma de comunicação com a grande massa - e é preciso admitir que a estratégia foi bem sucedida, uma vez que suas mensagens estão acessíveis a todos, são ditas de forma simples, quase coloquial, e reverberam na grande imprensa. Desde que as redes ganharam espaço e relevância, jornalistas têm nas mensagens ali colocadas importante fonte de informação oficial, uma vez que partem de políticos, autoridades, empresários e formadores de opinião.
A questão, porém, transcende a análise simplista de que o agora projeto de lei está em defesa das liberdades individuais, das arbitrariedades. É sabido e comprovado que, a partir do início do governo Jair Bolsonaro, multiplicaram-se as notícias falsas sobre o mais variado leque de assuntos, sendo os mais recentes aqueles ligados à eficiência da vacinação, seus efeitos colaterais e uso de medicamentos sem comprovação científica. Não há defesa para um projeto de lei que queira flexibilizar as regras e atenuar as situações em que notícias como essas viralizam e recebem o rótulo de verdades.
Além disso, em meio ao leque variado de providências que deveriam partir do Planalto, por que a urgência com esse tema, dias depois da devolução da MP pelo Senado? Não seria mais adequado promover amplo debate sobre o assunto com as próprias plataformas e com a comunidade jurídica, a fim de entender melhor quais são as brechas para a suposta violação de liberdades a que o Planalto se refere?
Definitivamente, o PL não é prioridade na ordem do dia. Prioridades são ações que gerem recursos para compensar o fim do auxílio emergencial, em outubro, acelerem a vacinação da população, criem empregos e recoloquem o País no eixo do desenvolvimento em que estava na pré-pandemia.