Segurança jurídica nos portos brasileiros

AGU reconhece impropriedade de impacto econômico do IPTU sobre empresas

Por: Jesualdo Silva  -  09/07/22  -  06:28
Os portos brasileiros clamam por segurança jurídica
Os portos brasileiros clamam por segurança jurídica   Foto: Divulgação

Os portos brasileiros clamam por segurança jurídica. Enquanto alguns segmentos da economia ainda discutem a possibilidade de privatização, o setor portuário já é movido por empresas privadas desde 1993. O desenvolvimento do setor é ancorado em empresas que exploram terminais localizados dentro e fora de portos organizados para a movimentação e armazenagem de cargas. Por isso, um ponto fundamental é a preservação de condições justas e estáveis de liberdade econômica para que agentes privados prosperem em um mercado que depende da livre competição por preços.


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Diante de tais condições, a agenda basilar da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) é a manutenção de um ambiente regulatório estável que confira segurança jurídica aos agentes econômicos que executam modelos de negócio complexos e de longo prazo. Ocorre que, como diz a sábia frase atribuída ao ex-ministro Pedro Malan, “no Brasil, até o passado é incerto”.


Um dano imprevisível tem ocasionado exasperação no setor. Ao longo de décadas, consolidou-se a correta compreensão, amparada na Constituição e em sólida jurisprudência do STF, de que não poderia incidir IPTU sobre empresas que exploram instalações portuárias, dada a propriedade da União sobre tais bens e o interesse público da atividade econômica ali desempenhada. Por isso mesmo, tanto os agentes econômicos como entes públicos responsáveis por leilões jamais levaram em conta a necessidade de pagamento do IPTU na modelagem de seus negócios. Dizer o contrário é brigar com os fatos.


Ocorre que, em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) reformou sua jurisprudência, aprovando tese de repercussão geral que retira de arrendatários a proteção da imunidade recíproca estabelecida pelo Artigo 150 da Constituição, impondo pagamento do IPTU. A novidade possui um efeito cascata sobre investimentos em infraestrutura (não apenas no setor portuário, diga-se de passagem). Os impactos econômicos dessa mudança de orientação geral são incalculáveis, vertendo-se tanto a negócios futuros como a contratos que se desenvolveram há décadas sob a interpretação de que a cobrança do tributo era inconstitucional. De forma ainda mais incompreensível, reguladores que conhecem em detalhes a modelagem de contratos de arrendamento e que, por isso, sabem que o IPTU jamais integrou as equações contratuais, se negam a reconhecer a novidade da cobrança como um fato do príncipe que enseja o direito a reequilíbrio econômico-financeiro.


Nesse mar de insegurança jurídica, a ABTP segue atuando incessantemente para evitar que se imponha mais uma vez severos custos sobre a cadeia logística nacional. Por isso, acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) em iniciativa conjunta com entidades de outros setores que integram a Aliança pela Infraestrutura. Como resultado, recebeu uma primeira manifestação que corrobora a incoerência da imposição desses severos custos sobre os agentes privados que são responsáveis pelo desenvolvimento do setor portuário. A AGU consolidou no Parecer 358/2022/Conjur-MInfra/CGU/AGU o entendimento que deve direcionar o papel dos agentes públicos tanto na esfera judicial como em instâncias administrativas.


A AGU reconhece de forma inequívoca que a mudança de jurisprudência do STF constituiu um fato novo que estabelece “risco ao prosseguimento de ações, programas e políticas” de todo setor de infraestrutura. O parecer também destaca os efeitos econômicos deletérios sobre as empresas privadas, de modo que o IPTU “é capaz de gerar efeitos deletérios, os quais, para além da questão puramente tributária”, resultando até mesmo em “inviabilidade econômico-financeira” de projetos. Especificamente sobre o setor portuário, registra estimativa de ônus milionários, superiores a R$ 150 milhões, que serão impostos indevidamente a empresas e, no limite, a autoridades portuárias e usuários.


Em linha com os pontos defendidos pela ABTP desde a origem dessa controvérsia, a AGU reconhece a impossibilidade de cobrança de valores de IPTU de empresas que exploram arrendamentos portuários. A entidade seguirá lutando, agora apoiada no entendimento da Advocacia-Geral da União, para que se reconheça, na esfera judicial, distinção que supere a aplicação automática da repercussão geral do STF em casos que envolvam áreas exploradas para instalações portuárias, dado o interesse público dessa atividade econômica.


Já nas esferas administrativas, não se pode mais lutar contra os fatos. As cobranças e pagamentos que passaram a ser realizados por terminais desde 2018 configuram hipótese clara de desequilíbrio de equação econômico-financeira. As autoridades não podem fechar os olhos para esse fato do príncipe, notadamente imprevisível à época da modelagem dos contratos agora impactados. O novo parecer da AGU torna inequívoca a natureza dessa mudança jurisprudencial. Não se pode admitir que a cadeia produtiva seja mais uma vez onerada pela insegurança jurídica.


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