Rota peregrina 'Caminho da Fé' passa por estradas de dois estados até Aparecida do Norte
Rota tem 421 quilômetros e passa por Minas Gerais e São Paulo
Amanhece na Serra da Mantiqueira. Faz frio. Os pés, castigados por bolhas, já não latejam como ontem. Parecem renovados. Na mesa, um café reforçado. É preciso energia. Na mochila, duas mudas de roupa, itens básicos de higiene e um kit de primeiros socorros. Nada de excessos. Na mão, um cajado de madeira com um terço amarrado na ponta.
As pernas da empresária
Ao lado de um grupo de romeiros, Mariana segue a pé para o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida. É o segundo maior templo católico do mundo, menor apenas que a Basílica de São Pedro, no Vaticano. Os passos são firmes, apesar do cansaço acumulado ao longo dos mais de 400 quilômetros percorridos em duas semanas.
“Não estou pagando promessa”, conta a empresária, devota da santa. “Vim apenas agradecer por estar aqui, viva, vacinada e com saúde”.
A caminhada de Mariana começou 16 dias antes, em Tambaú, cidade paulista
Tambaú é apenas um dos 17 pontos de partida do Caminho da Fé. O percurso tem 421 quilômetros, mas chega a quase 900 pra quem escolhe a rota mais longa, que começa em São José do Rio Preto, no noroeste paulista. Ao todo, o caminho passa por 72 cidades de São Paulo e do sul de Minas Gerais.
Desde 2003, mais de 70 mil pessoas já fizeram a peregrinação. O Caminho da Fé é a versão brasileira do famoso Caminho de Santiago de Compostela, que corta França, Portugal e Espanha. Assim como na Europa, os peregrinos seguem setas amarelas para chegar ao destino final.
Após escolher o ponto de partida, o viajante compra uma credencial (R$ 20,00). É uma espécie de passaporte, que vai sendo carimbado ao longo do percurso. Os carimbos servem para comprovar a peregrinação. Quem consegue chegar ao Santuário de Aparecida recebe um certificado de conclusão (R$ 10,00).
As peregrinações mais comuns são feitas a pé e de bicicleta. Nos dois casos, exigem um certo preparo físico. Em média, um peregrino anda 25 quilômetros por dia, enquanto um ciclista pode pedalar até quatro vezes mais. Raramente, o trajeto é plano. Por isso, é comum o surgimento de bolhas nos pés e dores pelo corpo, devido ao excesso de esforço físico.
Peregrinos mais experientes contam que o preparo psicológico é tão importante quanto o condicionamento físico. As dores acumuladas ao longo dos dias fazem muitos pensarem em desistir. Dizem os peregrinos que, nessas horas de dor, é a fé em Nossa Senhora que os empurra adiante.
A fé de Gervásio é tamanha que ele atribui a Nossa Senhora o fato de ainda estar vivo. Depois do câncer, ele começou a ficar com a visão bastante debilitada. “Foi escurecendo a vista, eu não conseguia nem mais ler e escrever. A médica disse que eu ia ficar cego”. Gervásio não parou de andar. Buscava na fé a esperança de voltar a enxergar.
Histórias como a de Gervásio são comuns no Caminho da Fé. Quase todo peregrino tem algo pra contar sobre a relação de fé em Nossa Senhora Aparecida. Mas agradecer à santa não é a única motivação. Muita gente vai em busca de autoconheci
A psicóloga Eliane Otoboni, que trabalha com crianças e adolescentes em Araçatuba, uniu tudo isso na peregrinação que fez ao lado do marido e de amigos, em julho. Ela caminhou cerca de 200 quilômetros em oito dias, de Borda da Mata (MG) a Aparecida.
“Eu fui no propósito de agradecer pela minha vida, pela minha família”, conta. “O caminho me trouxe muito mais que gratidão. Foi uma imersão de evolução pessoal, conexão com a minha fé e experiência de vida inesquecível. As marcas do caminho serão eternas, as pessoas e suas histórias, a paisagem, a superação física e a espiritualidade renovada”.
Paisagens de tirar o fôlego
[TXTRET]Na maior parte do tempo, os peregrinos andam por estradas rurais, de terra batida. É preciso cruzar fazendas, subir e descer montanhas e, em alguns trechos, caminhar na beira de rodovias pouco movimentadas. As flechas amarelas, indicando a direção, estão em toda parte. E a natureza é exuberante. Os peregrinos encontram paisagens de tirar o fôlego.
Como é uma rota oficial, o caminho tem uma rede credenciada de pontos de apoio e hospedagens. Em geral, o peregrino dorme uma noite em cada cidade por onde vai passando.
Na hora de escolher onde ficar, não espere luxo. As pousadas e hotéis são bem simples. Oferecem, basicamente, cama, chuveiro e fartas refeições caseiras, ricas em carboidratos. É tudo o que o peregrino precisa pra descansar e retomar a caminhada na manhã seguinte.
Dona Sônia recebe todos com um sorriso no rosto e uma comida tipicamente mineira, preparada no fogão de lenha. A hospedagem, com jantar e café da manhã inclusos, custa menos de R$ 100,00 por pessoa.