Dia Nacional do Livro é comemorado com mais de 100 atrações no Centro Histórico de Santos

Apesar das comemorações, ampliação do hábito de leitura é fundamental para o desenvolvimento da sociedade

Por: Daniel Rodrigues*  -  29/10/21  -  12:35
Atualizado em 29/10/21 - 12:38
 Dados da Unesco indicam que Brasil deveria ter um número quatro vezes maior de livrarias
Dados da Unesco indicam que Brasil deveria ter um número quatro vezes maior de livrarias   Foto: Daniel Rodrigues

Para comemorar o Dia Nacional do Livro, de sexta-feira (29) a domingo (31), o Centro Histórico de Santos receberá o Festival Leia Santos, que celebrará todos os gêneros literários. Em sua 1ª edição, o evento realizado pela Secretaria de Cultura (Secult) celebra o Dia Municipal da Doação de Livros e os 15 anos do projeto Leia Santos - Um Incentivo à Leitura.


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Serão mais de 100 atrações divididas entre a Praça Mauá, Paço Municipal, ruas XV de Novembro e do Comércio e Largo Marquês de Monte Alegre. No mesmo local haverá espaço para leitura de livros e gibis, oficinas de desenho, intervenções artísticas e caricatura ao vivo, além de exposições de livros de autores santistas e a feira criativa. A programação do evento você encontra no site da Prefeitura. www.santos.sp.gov.br


Mesmo celebrando os 211 anos do Dia Nacional do Livro, com eventos e comemorações, o Brasil tem 52% da população com hábitos de leitura, segundo a Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Cultura, levantamento que foi feito entre outubro de 2019 e janeiro de 2020. Desses, a 'Bíblia' e livros religiosos dominam preferência.


Incentivo
Docente do curso de Pedagogia da Universidade Católica de Santos, Sirlei Ivo Leite Zoccal, enfatiza a importância do incentivo ao hábito de leitura em qualquer idade, citando a frase do escritor de livros infantojuvenis, Pedro Bandeira. “Só se aprende a ler, lendo. Só se aprende a escrever, escrevendo”. Nesse sentido, segundo a professora, faz-se necessário envolver o aprendiz, criança ou adulto em práticas de leitura, objetivando a inserção no mundo letrado e exercício da cidadania”.


Para Sirlei, a escola tem um papel fundamental, no que diz respeito ao ensino da leitura. “Independente do método e proposta que a escola utiliza para alfabetizar, a leitura está presente, pois é o fio condutor para alfabetizar em contexto de letramento. O conteúdo a ser ensinado e apreendido, nos anos iniciais do ensino fundamental, deve estar presente no projeto político pedagógico”. Para ela, o hábito de ler é importante para o desenvolvimento e aquisição de conhecimento das pessoas. “A leitura é uma ferramenta indispensável para o avanço acadêmico e domínio de conhecimentos nas demais áreas escolares e, também, fora dela,” diz a pedagoga.


Mas o hábito de ler pode ter início em qualquer fase da vida e por motivações profissionais. O jornalista e professor de escrita literária e mestre em Culturas e Identidades Brasileiras pela Universidade de São Paulo (USP), André Argolo, teve o livro como uma peça pouco presente nos seus primeiros 25 anos de vida.


“Mesmo durante a faculdade, enquanto amigos meus já eram bons leitores, eu não era. Queria escrever de forma diferente da usual, mas hoje vejo claramente que me faltava estofo, me faltavam recursos. Não se escreve bem sem ser leitor, é quase matemático isso”.


Argolo diz que, “além de ter descoberto que a leitura de literatura melhorava meu texto jornalístico, por me aumentar as soluções possíveis, por me fazer mais criativo, me ajudar a fugir do lugar-comum, hoje o livro está mais no centro de minha atividade profissional".


Fatores socioeconômicos
A presidente da Associação Brasileira das Editoras Universitárias (Abeu), Rita Virginia Argollo, diz que os números do hábito de leitura estão ligados a fatores socioeconômicos. “Precisamos pensar que os mais pobres podem estar preocupados com a sobrevivência, com o sustento. E, nesse sentido, infelizmente, um livro esteja passível de significar algo supérfluo. Para além disso, precisamos levar em consideração também os aspectos educacionais”.


Outro dado importante é em relação ao formato que os livros universitários vêm sendo adotados. “Das 127 associadas da Abeu, 90% publicam livros digitais, algumas trabalham apenas com livros dessa natureza. Esse número vem crescendo exponencialmente desde 2018, tendo ganhado um destaque maior o ano passado, devido às imposições referentes à pandemia da covid-19,” conta a presidente da Abeu.


 Presidente da Abeu ressalta o crescimento dos livros digitais no mercado universitário
Presidente da Abeu ressalta o crescimento dos livros digitais no mercado universitário   Foto: Divulgação/Abeu

Na última pesquisa anual da Abeu, a instituição que no que se refere a formatos digitais, as associadas publicam principalmente em PDF, mas também e-pub, HTML e MOBI. Ao pensar no livro digital, busca-se levar em consideração também as questões que envolvem acessibilidade.


Neste contexto da leitura, um setor que vem sofrendo são as livrarias físicas. O Brasil tem uma loja de livros a cada 96 mil habitantes – muito longe da proporção que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) considera ideal, uma a cada 10 mil. A Associação Nacional de Livrarias (ANL) fez um levantamento de quantas lojas de livro existem no país. Em 2014, eram 3.095, hoje são 2.200. Significa que, no Brasil, uma livraria encerra suas atividades a cada três dias, em média.


Identidade forte
Por conta dessa realidade, o proprietário da Livraria Realejo, José Luiz Tahan, as livrarias sofrem com a falta de leitores, por isso, para que elas continuem sobrevivendo é importante que elas tenham uma identidade forte no mercado e criatividade. “Nós somos extremamente ativos no mercado editorial, além de livreiro, nós somos editores, temos um bar café, um espaço de cursos, de eventos, de shows musicais, de sessões de autógrafos."


Tahan criou para sua livraria um clube de assinatura de livros, no qual faz a curadoria mensal das obras para incentivar as pessoas a leitura dos livros. “A Realejo é um oásis, mesmo com a crise da pandemia, porque a gente tem uma atuação forte, perto do leitor, eu conheço os leitores e vou atrás deles. Então a livraria vai muito bem, a gente não tem nenhuma ameaça,” explica o livreiro.


Cliente da livraria há cerca de 10 anos e atualmente morando no Rio de Janeiro, a poeta e assistente de curadoria do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Natasha Félix, costuma fazer visitas quando volta para sua terra natal, Santos. "É um lugar muito afetivo, é bem localizado na cidade e o tipo de curadoria de livros que existe aqui é muito diferente do tipo de curadoria feita por em outros formatos de livrarias, como uma franquia”.


Quando adolescente, ela ia quase todos os dias depois da aula, onde ficava conversando com os livreiros. “Não vinha só ver o que estava acontecendo ou comprar, às vezes só ia para conversar de literatura, era o que me instigava e me incentivava a ler”.


Não foi só a livraria um meio de incentivar a leitura da poeta. “Para mim foi muito coletiva no hábito da leitura. A minha mãe lia para mim quando eu era pequena, meu pai também, nunca foi uma coisa solitária a literatura para mim”, conta Natasha. Para ela, não existe uma política pública que apoie realmente o incentivo à leitura, além dos valores serem inacessíveis nos dias de hoje.


Uma das sócias da livraria Martins Fontes, Solange Lopes Martins Fontes, ressalta o valor que tanto o Dia Nacional do Livro quanto e o Dia Internacional do Livro têm para sua livraria. “São datas extremamente importantes para que a gente possa divulgar a importância do livro e de termos livrarias e a importância que devemos dar à educação.”


Mesmo sendo defensora da tecnologia, a sócia defende que o país tenha mais livrarias. “A gente acredita tanto na importância do livro que há alguns anos todos nós estamos trabalhando, batalhando juntos aos órgãos federais pela necessidade de se estabelecer um preço fixo para os livros”, conta Solange.


Para ela, isso seja uma forma de estimular o aparecimento de mais livrarias. “Para que o mercado possa absorver, tanto os sites quanto aos livreiros, que todos possam trabalhar com uma mesma base e oportunidade. Um país sem livrarias é um país sem alma”.


 Leia Santos é um programa municipal de estímulo à leitura
Leia Santos é um programa municipal de estímulo à leitura   Foto: Rogerio Bomfim/PMS

Estímulo
Como forma de estimular o público a ler, sua livraria vem fazendo várias promoções e já planeja a retomada de sessões de autógrafos, e de contação de histórias para que a loja volte a ser um ponto de encontro. Já que na pandemia essas atividades presenciais foram suspensas por conta das restrições sanitárias.


Por conta da crise que vinha desde antes da pandemia e da própria crise sanitária de covid-19, a sua livraria enfrentou dificuldades. “Nós estamos lutando, resistindo a esse momento tão difícil", conta Solange. Ela conta que durante esse período muitos pais que estavam em casa, começaram a ler para seus filhos.


"Agora no final do ano e as coisas voltando a normalidade, estamos observando a volta e a presença dos pais na loja com as crianças e vejo que o hábito de leitura está aumentando.”


* Reportagem feita como parte do projeto laboratório de notícias A Tribuna-UniSantos, sob supervisão do professor Paulo Bornsen e do diretor de conteúdo do Grupo Tribuna, Alexandre Lopes.


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