Após perder perna e visão de um olho, mulher vira paratleta e luta por inclusão no litoral de SP

Ex-merendeira amputou a perna um dia antes de se formar em Educação Física

Por: Karen Cunha*  -  06/07/22  -  11:42
Atualizado em 06/07/22 - 15:00
Viviani Nunes, 44 anos é ex-merendeira de uma escola de Mongaguá
Viviani Nunes, 44 anos é ex-merendeira de uma escola de Mongaguá   Foto: Arquivo Pessoal e Divulgação/Prefeitura de Mongaguá

“O esporte me tirou da depressão. Ele me dá força para levantar da cama, comer, cuidar do meu corpo e da minha mente”, afirma Viviani Nunes, 44 anos. A relação da ex-merendeira de uma escola de Mongaguá com a atividade física seria semelhante à de tantas outras pessoas, se não fosse pela história de drama e superação que a levou a valorizar tanto o esporte. “Ele [o esporte] virou minha primeira família e me faz ficar forte para poder auxiliar o próximo”.


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Diariamente, em seu trabalho, Viviani via crianças com deficiência se sentirem excluídas durante as aulas. Para ajudar esses estudantes, ela começou a cursar Educação Física. Às vésperas da formatura, veio a fatalidade. Ela pisou em um caco de vidro e o ferimento provocou infecção generalizada. “Em 20 dias, tiveram de amputar uma perna para salvar minha vida”, conta.


O esporte deu novo significado à vida de Viviani Nunes
O esporte deu novo significado à vida de Viviani Nunes   Foto: Viviani Nunes/Arquivo pessoal

Quatro meses depois da cirurgia, durante a volta da fisioterapia, ela caiu da cadeira de rodas e bateu a cabeça. O acidente resultou no deslocamento da retina e cegueira total do olho direito e parcial do esquerdo.


Viviani acabou se vendo no lugar daqueles que queria ajudar, sentindo na pele a discriminação que um dia viu acontecer com os outros. Ela diz que se sentiu abandonada pela própria família. “Na hora que você está bem, todo mundo está do seu lado, mas quando fica doente, todos vão se afastar. Ninguém quer ter responsabilidade nenhuma”, lamenta.


Ela diz que teve de fazer tudo sozinha. “Aprendi a descer escadas com a cadeira de rodas, mesmo com a baixa visão. E também a ir ao mercado fazer minhas compras”.


Não restou alternativa para Viviani, a não ser buscar apoio fora do âmbito familiar. Em um coquetel na comemoração de sua formatura, ela encontrou a paratleta Beth Gomes, que a convidou para participar da Fast Wheels - equipe da qual a recordista olímpica e mundial é madrinha.


Conhecer a campeã olímpica e mundial, Beth Gomes, mudou a vida de Viviani
Conhecer a campeã olímpica e mundial, Beth Gomes, mudou a vida de Viviani   Foto: Rose Farias

O convite foi aceito. O esporte, que já fazia parte da vida de Viviani Nunes antes do incidente, quando ela lutava caratê, agora teria um novo significado. "Quando eu cheguei no ginásio do Rebouças, onde estavam todos aqueles alunos e professores, comecei a chorar, porque me senti em casa”.


Ela diz que ficou “deslumbrada”, porque todos se tratavam de igual para igual. “Quase todo mundo estava em cima de uma cadeira de rodas, mas quando acabou a aula, algumas pessoas saíram andando. Elas se igualaram aos cadeirantes, e aquilo para mim foi uma forma de empatia divina", comenta sobre o projeto, no qual pessoas com e sem deficiência praticam esportes em conjunto.


Atualmente, para continuar praticando o atletismo, Viviani precisa pegar três conduções para completar o trajeto até o local do treino. Ela considera esse sacrifício pequeno, perto do que o esporte ofereceu.


Fora das pistas, os obstáculos ainda estão presentes no cotidiano. Ela precisa fazer compras sozinha, cuidar de seu pai, que está doente, e ajudar a família, financeiramente. “Tenho dificuldades no mercado, na hora de pegar alguma coisa na prateleira. Também para ir ao banheiro, porque muitos comércios não lembram das pessoas com deficiência”.


Quando tenta entrar em lojas, com frequência encontra estabelecimentos que não têm acessibilidade. O mesmo acontece em ônibus sem elevador e cinto de segurança.


Apesar de não dar aulas para crianças como planejava, ajudar o próximo segue sendo o objetivo. “Eu gostaria muito de ensinar dança para as crianças, principalmente as que estão em cima de uma cadeira de rodas, e para aqueles que pensam que, por terem alguma deficiência, não podem dançar, não podem sentir a alegria que vem da música, nem ser pessoas normais como todas as outras”.


*Reportagem feita como parte do projeto Laboratório de Notícias A Tribuna - UniSantos sob supervisão do professor Eduardo Cavalcanti e do diretor de Conteúdo do Grupo Tribuna, Alexandre Lopes.


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