Cine Arte Posto 4: um espaço que reflete o gosto santista por cinema

Chegando aos 30 anos de idade, o Cine Posto 4 se materializou como um templo do cinema de arte

Por: Sergio Willians  -  07/11/21  -  09:50
 Inaugurado em 1991, espaço é reservado aos filmes produzidos em diversos países
Inaugurado em 1991, espaço é reservado aos filmes produzidos em diversos países   Foto: Matheus Tagé/AT

Santos, 1991. Muitas pessoas na Cidade ressentiam-se de não dispor de um espaço dedicado à exibição de filmes do circuito não comercial. Algumas manifestavam tal anseio pela imprensa, como foi o caso do maestro Gilberto Mendes, que chegou a enviar uma carta à coluna do leitor de A Tribuna, criticando a inexistência de um cinema de arte em Santos, justamente a terra que construiu, em sua história, uma forte ligação com a sétima arte.


Clique, assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe centenas de benefícios!


Ato contínuo, o renomado crítico de cinema, o santista Rubens Ewald Filho, somou-se ao coro dos postulantes e sugeriu à então prefeita, Telma de Souza, em abril de 1991, que a municipalidade criasse um espaço público a fim de satisfazer essa parcela da população, ávida por consumir filmes de centros produtores não tradicionais, de países asiáticos, africanos, sul-americanos e europeus.


Sugestão mais do que bem aceita, a Administração passou a procurar, então, um local que pudesse comportar ao menos 120 pessoas, tal qual outros do gênero que existiam na Capital paulista. Depois de muitos estudos e visitas técnicas, finalmente a Prefeitura identificou o Posto de Salvamento número 4 (na avenida Vicente de Carvalho), até então ocupado por uma agência da Telesp (sigla para Companhia Telefônica do Estado de São Paulo), como o ponto ideal para a instalação do primeiro Cinema de Arte santista, ainda que ele pudesse comportar apenas 48 cadeiras (menos da metade do que o desejado inicialmente).


Rapidamente, a Prefeitura reservou Cr$ 5 milhões (cinco milhões de cruzeiros, o equivalente a R$ 200 mil nos dias de hoje) para que fossem promovidas as adaptações necessárias do espaço. O Município contou, inclusive, com o importante apoio das duas maiores empresas cinematográficas da cidade: a Cinemas de Santos, do empresário Toninho Campos; e a Freixo Empresa Cine Teatral, do empresário Luiz Fernando Freixo. Ambas forneceram as poltronas e as orientações técnicas para a compra do projetor de 35 mm, além de sistemas de som e luz.


Mas ainda faltava o programador. Rubens Ewald, que acabou homenageado tendo a sala de projeção batizada em seu nome, foi convidado a assumir o posto. Porém, por causa da quantidade de compromissos assumidos em sua vida profissional, ele apenas se colocou à disposição para atuar como colaborador.


De início, a ideia era fazer com que o Cine Arte funcionasse apenas aos finais de semana. Porém, o sucesso rápido do espaço fez com que outros dias fossem contemplados. O Cine Posto 4 foi inaugurado solenemente no dia 8 de novembro de 1991, com a exibição do filme alemão Asas do Desejo (1988), dirigido pelo aclamado vencedor do Festival de Cannes, Win Wenders. A película ficou em cartaz até dia 21 de novembro e era exibida em três sessões: às 16, 18 e 21 horas. Os ingressos, vendidos a Cr$ 900 (de segunda a quinta, R$ 45,00 nos dias atuais) e Cr$ 1,8 mil (de sexta a domingo, R$ 90,00 hoje, podiam ser retirados no local (numa bilheteria montado do lado de fora do posto) ou no Teatro Municipal.


O evento de inauguração contou com a presença da prefeita Telma de Souza, do secretário de Cultura, Reinaldo Martins, da mãe do homenageado, Elza Ewald, e de autoridades, empresários e profissionais da cultura. O Posto Cine-4 foi administrado inicialmente por Everaldo Ferraz (do Clube de Cinema), responsável pelo setor operacional, e por Armando de Oliveira Marques, programador.


Em janeiro de 1992, mais de cinco mil pessoas já haviam frequentado o Cine Posto-4, evidenciando o sucesso da ideia e do lugar. Todas as sessões estavam repletas de cinéfilos apaixonados pela sétima arte. Além da programação com filmes pontuais, o espaço também exibia mostras, como a do Moderno Cinema Internacional, que projetou os filmes Estação Doçura (Alemanha, 1985), Eu Sou o Senhor do Castelo (França, 1989) e Lua na Sarjeta (França, 1983).


Símbolo do Cine Posto 4


De todas as pessoas que já trabalharam no espaço, sem sombra de dúvida o personagem principal foi o operador cinematográfico Clóvis Ferreira da Silva. Ele iniciou sua trajetória logo após a inauguração do Cine Posto 4, e já tinha experiência na função, aprendida no antigo Cine Itajubá.


Apesar de aposentado, seu Clóvis, como todos o chamam, ainda se manteve como uma espécie de “faz-tudo” do lugar que se tornara sua casa.


Reformas


Ao longo de sua história o Cine Posto 4 recebeu reformas, como em 2002, quando o piso de carpete foi substituído por borracha pastilhada, e a forração das paredes. Mas a maior das intervenções ocorreu em 2010, quando foram sanados problemas de infiltração, renovadas as instalações dos banheiros e trocadas todas as 48 poltronas, confeccionadas com forração em couro na cor laranja.


Além disso, foi ampliado o sistema de som (aumentando de duas para oito caixas acústicas) e reformado o projetor de 35 mm, que ganhou novas lentes. Em 2015, nova reforma, contemplando, por exemplo, integração dos sanitários externos à sala de projeção, renovação das partes elétricas e hidráulicas e impermeabilização do piso da cobertura. Também ocorreu nova troca de assentos e de equipamentos, com um novo projetor de 35 mm e outro digital, em blue-ray.


O Parthenon Santista


Chegando aos 30 anos de idade, o Cine Posto 4 se materializou como um templo do cinema de arte, como disse em 2013 a escritora e cronista Madô Martins, confessa frequentadora do espaço: “Ali resiste a Santos que nos orgulha, um discreto ponto de luz na escuridão de tanta mediocridade, tantas torres, tanto trânsito...” Em 30 anos de atividades, o Cine Posto 4 já exibiu cerca de 2 mil filmes produzidos em cerca de 50 países.


Logo A Tribuna