De Popa a Proa: Desestatização do Porto, é preciso haver confiança

Marcelo Neri é Presidente da Federação Nacional das Agências de Navegação Marítima (Fenamar)

Por: Marcelo Neri  -  19/03/22  -  08:12
  Foto: Matheus Tagé/AT

Há seis anos, em palestra realizada em Genebra sobre logística e corredores de exportação do agronegócio, apresentei a empresas de vários países no evento Global Grain os caminhos percorridos por nossa soja, desde a produção até os complexos portuários do Arco Norte. Citei o enorme potencial das áreas brasileiras de cultivo e o crescimento que se avizinhava, os projetos de infraestrutura em progresso e as muitas mazelas estruturais existentes.


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Ao final de minha apresentação, um suíço fez a seguinte pergunta: “O Brasil ainda é um país de poesias e belas canções, bom futebol e afins, mas que na hora da execução se perde na falta de vontade política, corrupção e insegurança jurídica?”


Naquela hora, infelizmente, concordei parcialmente e de forma elegante com as palavras que a pergunta daquele senhor trazia. Não pude fazer uma total defesa, pois bem sei das questões culturais que nos afligem, da falta de uma mentalidade resiliente, da quase inexistente capacidade de execução e de um Estado menos intervencionista que sonhamos ter. O que me restou foi mencionar nosso grande potencial e o incremento de produção, que teriam de ser alimentados por melhorias em infraestrutura e logística.


Após alguns anos, podemos dizer que, hoje, o Brasil tem tido por meio do Ministério da Infraestrutura seu salto substancial em execução e resiliência. Lembro-me que, naquele momento em terras suíças, eu dizia que as problemáticas estruturais da matriz logística brasileira não eram mais os portos e os terminais, mas sim o equilíbrio entre os modais de transporte, o entorno desses portos, os seus acessos viários, e no caso dos portos públicos, a sua gestão e ordenamento centralizado.


Creio que, agora, eu poderia retornar a uma nova edição do Global Grain responder àquele suíço de forma diferente. Falaria sobre os avanços de nossa gestão pública quanto à capacidade de execução e melhoria dessa matriz logística. Entretanto, chamaria também para uma nova reflexão. Contaria sobre os novos esforços do governo em relação aos portos públicos, tomando como exemplo a desestatização do Porto de Santos. A reflexão que faria seria sobre um voto de confiança da opinião pública e empresariado no trabalho deste governo e do ministério. Um voto de confiança para dar prosseguimento a mais projetos que acelerem, modernizem e alavanquem em produtividade os setores de infralogística. A bola da vez são os portos e não podemos deixar passar este bonde da história.


O Ministério da Infraestrutura, por meio de sua Secretaria Nacional de Portos, tem sido sensível e aberto às contribuições do empresariado, dos trabalhadores e demais setores interessados na desestatização do Porto de Santos. O que temos percebido é a melhor das intenções para a concepção de um modelo em que seja possível construir o equilíbrio necessário e possível para o enfrentamento de uma experiência privada que não devemos temer. Necessitamos de melhorias não necessariamente nos terminais, mas em seu entorno, na chegada da carga e no canal de navegação, com uma gestão descentralizada, já que temos um Porto em sua grande maioria já todo arrendado e funcionando como se fosse privado. Diante disso, a quem não interessa a desestatização?


1. Considerando que o Governo tem recebido bem seus interlocutores, em debates e audiências públicas, e que os pleitos de maior preocupação têm sido resguardados, com os direitos dos atuais players respeitados, sendo o modelo, ao nosso ver, melhorado pelas diversas contribuições do empresariado que a Secretaria de Portos, na figura do secretário Diogo Piloni, que aberto ao diálogo já acolheu diversas propostas;


2. Considerando que mesmo temas que possam não ter sido digeridos, como perda por setores do empresariado, talvez já estejam sendo compensadas de outra forma;


3. Considerando que o poder publico, se fazendo presente pelo órgão competente que é a Antaq, ganharia um poder ainda maior de destaque e teria força para intervir, com ferramentas de mitigação, em eventuais abusos do poder econômico contra a harmonia do ambiente de negócios da comunidade marítima de vários diferentes players no complexo portuário de Santos;


4. Considerando que o receio da negociação com um concessionário privado, e não mais com um ente público, não deva nos amedrontar, pois entendemos que o concessionário deverá querer alinhar com os arrendatários um bom funcionamento do complexo, pois estará focado na gestão do entorno dos terminais arrendados;


5. Considerando que a segurança jurídica é hoje é uma das principais preocupações do setor e que o governo, segundo seu secretário de Portos, tem garantido que o concessionário “não terá uma página em branco para escrever” e que os contratos celebrados com os operadores portuários são mantidos forma integral, a menos que haja a vontade dos arrendatários em alterá-los. A questão jurídica, por sinal, pode ser até um viés positivo da desestatização. Hoje, temos como exemplo de gestão pública que não funciona os longos anos de drama da dragagem que nunca findam, com entraves judiciais que provocam uma constante falta de execução do serviço e um contrato que se encerra, mas ainda assim o fornecedor o estende, porém não executa o serviço – mesmo com a Autoridade Portuária recorrendo ao Judiciário e tendo a favor a penalização da empresa com multa de R$ 100 mil por dia. São situações de administração pública que, por questões de ordenamentos jurídicos, deixam um serviço tão importante à infraestrutura brasileira parado por conta de um único fornecedor.


Elencados todos esses pontos, temos a impressão que aqueles que ainda lutam para postergar ou não se interessam tanto pela desestatização do Porto de Santos, obviamente respeitando a legitimidade de seus interesses, são os mesmos que têm uma mentalidade fixa, e não de crescimento. A legitimidade de quem não se interessa por algo que possa ser melhor para um bem comum, além de ser devido ao fato do status quo (uma certa zona de conforto) estar confortável (para quer mudar se estamos garantidos hoje?), é também por conta de uma mentalidade fixa que vem da desconfiança, que por sua vez anda atrelada ao medo.


Pessoas, empresas e instituições em países com índice de corrupção alta não confiam uns nos outros. Existem pesquisas e gráficos que mostram que os brasileiros estão entre os povos mais desconfiados do planeta. O índice de desconfiança do brasileiro é estatisticamente similar ao do Zimbábue e da Uganda. Países ricos, com crescimento, que não geram tanto entraves burocráticos, que não judicializam em demasia, tendem a ser países que confiam uns nos outros. Crescimento econômico, estabilidade e boas gestões andam juntos com confiança.


Creio que deveríamos depositar confiança neste time do Ministério da Infraestrutura e da Secretaria de Portos, que não poupou esforços para arregaçar as mangas, atender a todos, acalmar os ânimos e mostrar aos suíços que podemos não somente escrever poesias e compor canções, mas também ter capacidade de execução, colocando vagões nos trilhos e, acima de tudo, confiando uns nos outros para garantir um ambiente seguro para que tenhamos os melhores serviços, o bem comum prevaleça e todos possam ter seus direitos respeitados.


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